Robert Walser

Robert Walser nasceu em Biel, na Suiça, em 1878. Depois de abandonar a escola, aos 14 anos, trabalhou como empregado de escritorio ao mesmo tempo que escrevia poesia. Em 1898 foi viver com o imão mais velho, em Berlim. Levou uma vida errante e precária. Publicou o primeiro livro em 1904, As composições de Fritz Kocher.  Escreveu obras magníficas como Os irmãos Tanner (1907),  O Ajudante (1908),  Jakob von Gunten (1909).

Em 1909 regressou a Biel mas foi acometido de uma depressão profunda e de crises alucinatórias recorrentes. Durante esse período escreveu  livros de prosas curtas como O passeio e outras histórias (1917), Vida de poeta (1918)  e  A rosa (1925). Escreveu os seus últimos livros a lápis numa letra cada vez mais miúda-  microgramas, dificílimos de decifrar. O Salteador, escrito em 1925-26, só viria a ser decifrado e publicado em 1972.

 Em 1933, Robert Walser foi internado numa clínica para doentes psiquiátricos em Herisau, onde passou o resto da vida. Dava longos passeios a pé e não voltou a  escrever uma única linha. "I am not here to write, but to be mad" disse Walser.

Morreu sozinho, durante um passeio,  no dia de natal de 1956.  A sua obra, que inclui ainda poemas, ensaios e crónicas, foi admirada por escritores como Robert Musil, Walter Benjamin e Franz Kafka. A sua tradução e divulgação foi tardia. Em Portugal (um século depois) foram publicados 5 livros: Branca de neve, A Bela Adormecida e A Gata Borralheira, &etc, 2000, O passeio e outras histórias; Granito Editores e Livreiros, 2001,  O Salteador, Relógio D’Água, 2003; A Rosa, Relógio D’Água, 2004; Jakob Von Gunten- Um diário, Relógio D’Água, 2005 e O Ajudante, Relógio D'Água, 2006.

Ler mais: The Genius of Robert Walser / epdlb / microgramas1 / francopolis / The fiction of Robert Walser

Poemas

Quando de repente o dia voltou
tão puro,
falou lentamente e com firmeza,
branda e sinceramente:
alguma coisa deve mudar,
entro na luta,
eu também quero ajudar, como tantos outros,
a erradicar o mal do mundo,
quero sofrer e vaguear
até que o povo se liberte.
Não quero voltar a declinar, cansado;
alguma coisa tem que
acontecer. Mas nesse momento apoderou-se dele uma vaga sensação,
um torpor: oh, deixemos isso agora!


tradução: Rui Manuel Amaral

(com base na versão em castelhano de Matilde Sánchez e Guillermo Piro, editada no nº 61 do Diario de Poesía)

A lua observa-nos do lado de fora,
e repara em mim, pobre empregado,
a desfalecer sob o olhar implacável
do chefe.
Atrapalhado, coço o pescoço.
Nunca conheci um sol perdurável
em toda a minha vida.
A privação é a minha sina:
coçar o pescoço
sob o olhar do chefe.

A lua é a ferida da noite
e todas as estrelas são gotas de sangue.
A felicidade permanece muito longe de mim,
por isso a minha natureza é modesta.
A lua é a ferida da noite.


Tradução: Rui Manuel Amaral

(com base na versão em castelhano de Matilde Sánchez e Guillermo Piro, editada no nº 61 do Diario de Poesía

Abro a janela,
uma luz opaca matinal perdura.
Já parou de nevar,
a grande estrela está no seu lugar.

A estrela, a estrela
como é maravilhosa!
O horizonte está branco de neve,
brancos de neve estão todos os cumes.

Fresca e sagrada
a quietude matinal no mundo.
Cada voz ressoa clara,
os telhados brilham como carteiras de escola.

Tão silencioso e branco:
um deserto enorme e magnífico,
cuja fria quietude torna inútil
qualquer pensamento. Dentro de mim tudo arde.


tradução: at

(com base na versão em castelhano de Matilde Sánchez e Guillermo Piro, editada no nº 61 do Diario de Poesía)

Eles não deviam cerrar os punhos
é o meu desejo que se aproxima;
não deviam enfurecer-se assim,
é o meu desejo que se aproxima timidamente;
não deviam preparar-se para atacar como cães raivosos,
como se quisessem esquartejar o meu desejo;
não deviam ameaçar assim com as patas traseiras,
tudo isso faz mal ao meu desejo.
Porque se transformaram tão de repente?
O meu desejo também é grande e profundo.
Mesmo sendo tão difícil e tão perigoso:
devo caminhar até eles, pronto, já lá estou.


tradução: at

(com base na versão em castelhano de Matilde Sánchez e Guillermo Piro, editada no nº 61 do Diario de Poesía)