Maiakóvski

Vladímir Maiakóvski nasceu e passou a infância na aldeia de Bagdádi, nos arredores de Kutaíssi, na Geórgia - Rússia. Após a morte súbita do pai, a família ficou na miséria e transferiu-se para Moscovo, onde Vladímir continuou seus estudos. Fortemente impressionado pelo movimento revolucionário russo e impregnado desde cedo com obras socialistas, ingressou aos quinze anos na facção bolchevique do Partido Social-Democrático Operário Russo.

Detido em duas ocasiões, foi solto por falta de provas, mas em 1909-1910 passou onze meses na prisão. Entrou na Escola de Belas Artes, onde se encontrou com David Burliuk, que foi o grande incentivador de sua iniciação poética. Os dois amigos fizeram parte do grupo fundador do assim chamado cubo-futurismo russo, ao lado de Khlébnikov, Kamiênski e outros. Foram expulsos da Escola de Belas Artes. Procurando difundir suas concepções artísticas, realizaram viagens pela Rússia.

Após a Revolução de Outubro, todo o grupo manifestou sua adesão ao novo regime(…) Fundou em 1923 a revista LEF (de Liévi Front, Frente de Esquerda), que reuniu a “esquerda das artes”, isto é, os escritores e artistas que pretendiam aliar a forma revolucionária a um conteúdo de renovação social(…) Foi um homem de grandes paixões, arrebatado e lírico, épico e satírico ao mesmo tempo. Suicidou-se com um tiro em 1930.(…)

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Poemas

Fiz ranger as folhas de jornal
abrindo-lhes as pálpebras piscantes.
E logo
de cada fronteira distante
subiu um cheiro de pólvora
perseguindo-me até em casa.
Nestes últimos vinte anos
nada de novo há
no rugir das tempestades.

Não estamos alegres,
é certo,
mas também por que razão
haveríamos de ficar tristes?

O mar da história é agitado.

As ameaças
e as guerras
havemos de atravessá-las,
rompê-las ao meio,
cortando-as
como uma quilha corta
as ondas.

(1927)

Tradução: E. Carrera Guerra

de Maiakóvski — Antologia Poética, Editora Max Limonad, 1987

(…)

Se quiserem,
serei apenas carne louca
e, como o céu, mudarei de tom,
se quiserem,
serei impecavelmente delicado,
não serei homem, mas uma nuvem de calças !

Não acredito que haja uma Nice florida !
Hoje de novo canto a glória
dos homens que o pecado fez malignos
e das mulheres gastas como um lugar comum.

(…)

Maria ! Maria! Maria!
Abre, Maria !
Não me deixes na rua!
Não queres­ ?
Esperas
que fique de face bichosa,
provado por todas as mulheres,
insípido,
e venha
e diga, sem dentes,
que hoje
“sou duma castidade espantosa”?

Maria,
vês ?,
já começo a andar curvado.

Pelas ruas
a gente sacode a banha de quatro papadas,
esbugalha os olhos,
gastos por quarenta anos de uso, -
e troca sorrisos,
porque eu levo nos dentes
-outra vez! –
os restos das carícias de ontem.

A chuva aborrecia os passeios,
dos charcos compacto ladrão,
molhado, lambendo o cadáver lapidado da rua,
e nas pestanas brancas,
- sim! -
nas pestanas de gelados carambanos,
lágrimas dos olhos
- sim! -
dos olhos baixos dos algerozes.
A chuva encharcando o rosto dos passantes,
enquanto nas carruagens brilhavam nédios atletas:
a gente rebentava
de comer por todos os lados.
e a banha saía-lhe dos poros.
em túrbidos riachos escorria da carruagem
junto com os restos das almôndegas
dos velhos tempos.

Maria !
Como havemos de fazer entrar nessa orelha sebosa uma
palavra meiga ?
A ave
vive de canções,
canta,
faminta e sonora,
mas eu sou homem, Maria,
simples,
na suja mão de Présnaia cuspido uma noite tísica.
Maria, queres-me assim ?
Abre, Maria !
Com os dedos crispados apertarei a garganta de ferro
da campainha !

Maria !

Enfurecem-se os currais das ruas.
No colo ferido os dedos cintos.

Abre !

Dói !

Vês ? Tenho os olhos cheios
de alfinetes de chapéus de mulher !

Abriu.

Querida !
Não te assustes
que no meu costado de louco
haja sentadas mulheres de saias molhadas, -
é uma carga que levo comigo pela vida fora:
milhões de amores puros e enormes
e milhões de milhões de pequenos amores sujos.
Não temas
que de novo
caia na infidelidade habitual,
me atire a milhares de caras bonitas, -
as amantes de Maiakovski
são uma dinastia
de rainhas entronizadas no coração de um louco.

Maria, anda cá !
Nua e sem pudor,
ou com um tímido tremor,
mas dá-me o encanto dos teus lábios que nunca murcharão:
o meu coração nunca chegou a Maio,
na vida vivida
nunca passou de Abril.

Maria !
O poeta canta sonetos a Tiana,
e eu –
todo de carne,
todo humano –
só peço o teu corpo
como os cristãos pedem
“o pão nosso de cada dia
nos dai hoje”.

Maria – dá !

Maria !
Tenho medo de o teu nome esquecer,
como teme olvidar o poeta
a palavra
nascida no martírio nocturno
grande só como Deus.

Teu corpo
cuidarei e amarei,
como o soldado
mutilado na guerra,
inútil
e sem dono,
cuida da única perna.

Maria –
não queres ?
Não queres ?

Ah !

Quer dizer que de novo sombria e tristemente
pegarei no coração,
salpicado de lágrimas,
e o levarei
como um cão
que para a casota
arrasta
a pata atropelada.

Com sangue do meu coração ficará manchado o caminho
como com flores de fogo lançadas à poeira.
Mil vezes bailará o Sol à volta da Terra
como a filha de Herodes
à volta da cabeça do Baptista.

E quando os meus anos
bailem até ao fim –
cobrir-se-á com milhões de gotas de sangue
o caminho até à morada de meu pai.

Sairei então
sujo (de dormir nas sargetas),
e ponho-me a seu lado,
inclino-me
e digo-lhe ao ouvido:

-Escuta, senhor Deus !
Como é que não te aborreces
nessa gelatina de nuvens
deitando água todos os dias dos teus olhos bondosos ?
Sabes uma coisa ?
Vamos construir um carrocel
na árvore da sabedoria do Bem e do Mal.

Omnipresente, estarás em todos os armários,
e pomos à mesa uns vinhos e tais
que incitem a bailar
o taciturno apóstolo S. Pedro.
E de Ervas encheremos de novo o paraíso:
uma palavra tua, -
e esta mesma noite
pelas ruas juntarei
as mais belas raparigas.

Queres ?

Ou não queres ?

Abanas a cabeça, cabeludo ?
Franzes as sobrancelhas cãs ?
Achas
que esse aí
com asas, atrás de ti,
sabe o que é o amor ?

Eu também sou um anjo, fui
como um cordeiro inocente,
mas fartei-me de dar às éguas
vasos feitos de sofrimento de Sévres.
Todo-poderoso, tu, que inventaste estas mãos,
que deste
uma cabeça a cada um de nós,
porque não decidiste
que sem sofrer
se pudesse beijar, beijar e abraçar ?!

Julgava que eras um Deusão omnipotente,
mas não passas de um Deusito um pouco desajeitado.
Vês ? Curvo-me
e da bota
tiro um punhal.
Patifes alados !
Agachai-vos no paraíso !
Eriçai as plumas e tremei de medo !
A Ti, que cheiras a incenso, cortarei
daqui até ao Alasca !

Deixem-me !

Não me detenham !
Certo
ou errado         
não posso ficar calmo.
Olhem –
decapitaram mais estrelas
e ensanguentaram o céu como um matadouro !

Eh, tu !
Ó céu !
Tira o chapéu !
Que vou a passar eu !

Silêncio !

O Universo dorme
com a enorme orelha
cheia de estrelas
sobre a pata.

(1915)

Tradução: Manuel de Seabra 

de Obras de Maiakovski- Volume I; Vento de Leste, 1979

Caros
camaradas
futuros!
Revolvendo
a merda fóssil
de agora,
pesquisando
estes dias escuros,
talvez
perguntareis
por mim.

Ora,
começará
vosso homem de ciência,
afagando os porquês
num banho de sabença,
conta-se
que outrora
um férvido cantor
a água sem fervura
combateu com fervor.
Professor,
jogue fora
suas lentes de arame!
A mim cabe falar
de mim
de minha era.
Eu ? incinerador,
eu ? sanitarista,
a revolução
me convoca e me alista.
Troco pelo front
a horticultura airosa
da poesia ?
fêmea caprichosa.
Ela ajardina o jardim virgem
vargem
sombra
alfombra.
"É assim o jardim de jasmim,
o jardim de jasmim do alfenim."
Este verte versos feito regador,
aquele os baba,
boca em babador, ?
bonifrates encapelados,
descabelados vates ?
entendê-los,
ao diabo!,
quem há-de...
Quarentena é inútil contra eles
? mandolinam por detrás das paredes:
"Ta-ran-tin, ta-ran-tin,
ta-ran-ten-n-n..."
Triste honra,
se de tais rosas
minha estátua se erigisse:
na praça
escarra a tuberculose;
putas e rufiões
numa ronda de sífilis.
Também a mim
a propaganda
cansa,
é tão fácil
alinhavar
romanças, ?
Mas eu
me dominava
entretanto
e pisava
a garganta do meu canto.
Escutai,
camaradas futuros,
o agitador,
o cáustico caudilho,
o extintor
dos melífluos enxurros:
por cima
dos opúsculos líricos,
eu vos falo
como um vivo aos vivos.
Chego a vós,
à Comuna distante,
não como Iessiênin,
guitarriarcaico.
Mas através
dos séculos em arco
sobre os poetas
e sobre os governantes.
Meu verso chegará,
não como a seta
lírico-amável,
que persegue a caça.
Nem como
ao numismata
a moeda gasta,
nem como a luz
das estrelas decrépitas.
Meu verso
com suor
rompe a mole dos anos,
e assoma
a olho nu,
palpável,
bruto,
como a nossos dias
chega o aqueduto
levantado
por escravos romanos.

No túmulo dos livros,
versos como ossos,
se estas estrofes de aço
acaso descobrirdes,
vós as respeitareis,
como quem vê destroços
de um arsenal antigo,
mas terrível.
Ao ouvido
não diz
blandícias
minha voz;
lóbulos de donzelas
de cachos e bandós
não faço enrubescer
com lascivos rondós.
Desdobro minhas páginas
? tropas em parada,
e passo em revista
o front das palavras.
Estrofes estacam
chumbo-severas,
prontas para o triunfo
ou para a morte.
Poemas-canhões, rígida coorte,
apontando
as maiúsculas
abertas.
Ei-la,
a cavalaria do sarcasmo,
minha arma favorita,
alerta para a luta.
Rimas em riste,
sofreando o entusiasmo,
eriça
suas lanças agudas.
E todo
este exército aguerrido,
vinte anos de combates,
não batido,
eu vos dôo,
proletários do planeta,
cada folha
até a última letra.
O inimigo
da colossal
classe obreira,
é também
meu inimigo
mortal.
Anos
de servidão e de miséria
comandavam
nossa bandeira vermelha.
Nós abríamos Marx
volume após volume,
janelas
de nossa casa
abertas amplamente,
mas ainda sem ler
saberíamos o rumo!
onde combater,
de que lado,
em que frente.
Dialética,
não aprendemos com Hegel.
Invadiu-nos os versos
ao fragor das batalhas,
quando,
sob o nosso projétil,
debandava o burguês
que antes nos debandara.
Que essa viúva desolada,
? glória ?
se arraste
após os gênios,
melancólica.
Morre,
meu verso,
como um soldado
anônimo
na lufada do assalto.

Cuspo
sobre o bronze pesadíssimo,

cuspo
sobre o mármore viscoso.
Partilhemos a glória, ?
entre nós todos, ?
o comum monumento:
o socialismo,
forjado
na refrega
e no fogo.
Vindouros,
varejai vossos léxicos:
do Letes
brotam letras como lixo ?
"tuberculose",
"bloqueio",
"meretrício".
Por vós,
geração de saudáveis, ?
um poeta,
com a língua dos cartazes,
lambeu
os escarros da tísis.
A cauda dos anos
faz-me agora
um monstro,
antediluviano.
Camarada vida,
vamos,
para diante,
galopemos
pelo qüinqüênio afora.
Os versos
para mim
não deram rublos,
nem mobílias
de madeiras caras.
Uma camisa
lavada e clara,
e basta, ?
para mim é tudo.
Ao Comitê Central
do futuro
ofuscante,
sobre a malta
dos vates
velhacos e falsários,
apresento
em lugar
do registro partidário
todos
os cem tomos
dos meus livros militantes.

 

lido aqui

Não acabarão nunca com o amor,
nem as rusgas,
nem a distância.
Está provado,
pensado,
verificado.
Aqui levanto solene
minha estrofe de mil dedos
e faço juramento:
Amo
firme,
fiel
e verdadeiramente.

poema encontrado aqui

 

A todos vocês,
que eu amei e que eu amo,
ícones guardados num coração-caverna,
como quem num banquete ergue a taça e celebra,
repleto de versos levanto meu crânio.

Penso, mais de uma vez:
seria melhor talvez
pôr-me o ponto final de um balaço.
Em todo caso
eu
hoje vou dar meu concerto de adeus.

Memória!
Convoca aos salões do cérebro
um renque inumerável de amadas.
Verte o riso de pupila em pupila,
veste a noite de núpcias passadas.
De corpo a corpo verta a alegria.
esta noite ficará na História.
Hoje executarei meus versos
na flauta de minhas próprias vértebras.

tradução: Haroldo de Campos e Boris Schnaiderman

Amor de minhas entranhas, morte viva,
em vão espero tua palavra escrita
e penso, com a flor que se murcha,
que se vivo sem mim quero perder-te.

O ar é imortal. A pedra inerte
nem conhece a sombra nem a evita.
Coração interior não necessita
o mel gelado que a lua verte.

Porém eu te sofri. Rasguei-me as veias,
tigre e pomba, sobre tua cintura
em duelo de kordiscos e açucenas.

Enche, pois, de palavras minha loucura
ou deixa-me viver em minha serena
noite da alma para sempre escura.

tradução: William Agel de Melo

Sozinho não posso
carregar um piano
e menos ainda um cofre-forte.
Como poderia então
retomar de ti meu coração
e carregá-lo de volta?
Os banqueiros dizem com razão:
"Quando nos faltam bolsos,
nós que somos muitíssimo ricos,
guardamos o dinheiro no banco".
Em ti
depositei meu amor,
tesouro encerrado em caixa de ferro,
e ando por aí
como um Creso contente.
É natural, pois,
quando me dá vontade,
que eu retire um sorriso,
a metade de um sorriso
ou menos até
e indo com as donas
eu gaste depois da meia-noite
uns quantos rublos de lirismo à toa.

 

lido aqui

A todos
Que saíram às ruas
De corpo-máquina cansado,
A todos
Que imploram feriado
Às costas que a terra e
xtenua –
Primeiro de Maio!
Meu mundo, em primaveras,
Derrete a neve com sol gaio.
Sou operário –
Este é o meu maio!
Sou camponês - Este é o meu mês.
Sou ferro –
Eis o maio que eu quero!
Sou terra –
O maio é minha era!

 

lido aqui