Teresa Balté

Teresa Balté nasceu em Lisboa, em 1942. Estudou Filologia Germânica na Europa e nos EUA e Música em Lisboa, com Francine Benoit. Trabalhou como tradutora e redactora para a revista Humboldt, fez episodicamente crítica musical para o Diário de Lisboa e o Jornal do Comércio e secretariou acções de apoio a refugiados. Professora na ELTE de Budapeste, ensina actualmente na Universidade Nova de Lisboa de Lisboa, na área de estudos alemães. Foi casada com o pintor alemão  Hein Semke .

Traduziu autores de língua alemã (Büchner, Brecht, Erich Fried, Günter Kunert, etc.) e húngaros (Ady, Attila József, Radnóti, etc.). Escreveu poesia: Jogos, Lisboa 1962; Estações, Lisboa 1967; Horizontes Portáteis, Inova, Porto 1977; Metamorfoses, O Oiro do Dia, Porto 1980; Mediações, Contexto, Lisboa 1983; 10 Poemas Ingénuos e 1 Postfacio, O Oiro do Dia, Porto 1983; Poemas dos Últimos Anos, D. Quixote, Lisboa 1990; e histórias para crianças: A Abelha Zulmira, ASA, Porto 1979; e O País Azul, Porto Editora, Porto 1990. Autora do volume Hein Semke. A Coragem do Ser Rosto, Imprensa Nacional-Casa da Moeda (Colecção Arte e Artistas), Lisboa 1989, publicou em conjunto com o escultor Hein Semke O Livro dos Peixes ou O Aquário de Papel, Hugin, Lisboa 1997. Pintando descontinuadamente participou em mostras colectivas e expôs individualmente no Clube 50, em 1986 e 1992, e na Galeria Bertrand, em 1988 (.)

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Poemas

ANJO I

Não o pombo futurista mas a sombra
no ângulo vazio a folha de hera
e as orquídeas brancas na garganta
a vertigem do grito o labirinto a lâmina

as aves que evoluem não regressam
devoraram o espaço onde existiam
assinalam agora outras galáxias
cicatrizes rosáceas

a asa é o recanto da memória
o vértice onde o corpo não pesou
agora só gorjeio a harpa morna
musgo nos olhos o anjo de granito

ANJO II

A ascensão da noite é a memória
o recanto da pomba partilhado
a asa de outra ânfora o regaço
onde os labirintos que te acordam
repousam sob o lago

o horizonte ausente não abriga
a dissonância viva de um limite
o espelho cego aguarda não existe
o nó que te sufoca e reanima
o regresso do rosto à superfície.

de Metamorfoses, 1980 - colecção O Oiro do Dia

 

entre as gaivotas ali onde a palavra
não é música nem voz articulada
só grito sem apelo o elemento
entre rochas e mar
onde o eco não ouvido te assinala
o coito o perigo o parto e o silêncio
o mais é nada – a morte – ou é tão pouco
aí procuras os limites do corpo
o teu significado

não dialogas aceitas o rigor do homem
dele partes
não escutas as mensagens elas param
no cerco dos sentidos
cristal ignoras o sismo que te abala
a raiva que te rasga
espelho devolves o sol que não te aquece
para além da superfície

emerges na aridez suposta de ti
o que não sabes
circulas no pulso todavia incorruptível
das substâncias
germinas em metáforas repousas em potências
proliferas
não nas metamorfoses na memória
das partes da viagem

porque esse delírio não tem vasos
jamais o ultrapassas
pássaro homem labareda
o grito não acaba

de Mediações, Contexto editora, 1983

 

 

POEMA

Quase não ouso escrever
já disse tudo

articulo a voz pelo caminho:
inspiro a manhã
cintilo ao vento
solto-me ao passar pelo mundo.

SINAL VERMELHO

o assomar da nuvem no céu claro
o avançar do carro
a desaparição

O

Dizer asa e labirinto
sem evocar mitos nem sinónimos
ou então chamar-lhes deus ou outro nome
ou calar-me nos tempos mais próximos.

PENUMBRA

Vimos da escuridão e somos luz
ou nascemos da luz e somos sombra?

VOO

É a finitude que enternece
Enverga as asas do corvo e da pomba
derrama no rio a tua dor
afaga a penugem da penumbra

de Poemas dos Últimos Anos
publicações Dom Quixote, 1990 – colecção O Aprendiz de Feiticeiro

 

ouve amor
ser-te-ei infiel por uma noite
ficas longe e o corpo vibra ainda
chama por outro corpo chama viva
e não por ti amor
nem outro amor

e porque não chamar amor
aos nossos corpos
apenas e supostos todavia
amor que não se cala
grita ou morre

ouve outro amor
não és paixão nem usufruto
consegue ver em mim somente amor
e ficaremos quites

ouve amor
ouve outro amor
o amor reparte-se e divide-se
como a luz ou o dia que se extingue
nada te dou ou tiro nada ofereço
aquilo que não tenhas não é teu
aquilo que não sejas não tem preço

de Poesia Quase Toda, ASA, 2005