Luísa Ribeiro

Maria Luísa da Cunha Ribeiro, nasceu em 1960, em Angra do Heroísmo, nos Açores. Em 1985 ganhou o 1º prémio num concurso literário para jovens, promovido pela Direcção Regional de Cultura, com o manuscrito Fogo Branco, publicado em Maio de 1986, com o nº. 47 da colecção "Gaivota" (capa de Jorge Bettencourt e arranjo gráfico de Álamo de Oliveira). Foram editados apenas 1000 exemplares que esgotaram rapidamente. Tem sido poeta da sombra.

De si diz: «sinto pudor e guardo o que escrevo; não gosto de sessões de lançamento de fato e gravata; gosto de estar na sombra; gosto de estar no nevoeiro; a única maneira que tenho de falar de mim é escrevendo».

Tem poemas seus incluídos em duas antologias de poetas açorianos (Pai, a sua bênção e On a Leaf of Bleu, Bilingual Anthology of Azorean Contemporary Poetry). Também escreve contos. Publica esporadicamente em revistas literárias como Alhucema, Storm-magazine e Seixo Review ou em jornais regionais. Em 2004 fez uma Ex-Posição de poesia, no Centro Cultural de Angra, intitulada “Uma pequena porção de noite”.

Em Março de 2005 a editora Dauro, de Granada, publicou o seu segundo livro Outros Frutos, incluído na conhecida colecção Ex-Libris e que reúne poemas de 2003 em versão bilingue. Desde Junho de 2006, a 2009 Luísa Ribeiro, deu vida ao blog Um Abismo

 

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© Mateus Ribeiro Gomes

Poemas

Durmo nas paredes mais largas, cubro-me das folhas que sobraram da última estação, sento-me em sobras de troncos, respiro a aragem deixada pelo voo dos pássaros e vivo.
Estou só e ferida.
Os gatos arranharam-me numa brincadeira perigosa; os pássaros debicaram-me aflitos e tu não apareceste para me salvar da intensa exposição solar.

 

 

 

O teu corpo esconde o mistério de mil livros – a justiça das leis por incendiar, nesta honesta batalha por ti.
Mas eu não tenho armas. Só luto com os dedos doridos - procuro a tua forma original, o dilúvio, a lava que se encobre na pedra fria que me acerta.

E o teu corpo, sob a roupa, estremece em cada letra que te escrevo, com pseudónimo.

Tenho uma resma de papel para te oferecer
com muitas saudades e paisagens de chuva e
gritos acetinados; tenho-me para ti,
para me levares ao mar e me lançares
um abraço pouco apertado.

Também fiz um gelado, para sorvermos
na praia, enquanto os pássaros se afastam
depois de nos roubarem a roupa.

E já sinto frio e ouço
a gargalhada de pudor
ao regressarmos nus a casa.

Nao me suicido ainda porque te quero
ver vestido para o verão quero
medir o músculo escuro que te sobra
à camisa e passar a língua
na linha cortante dos teus dentes
brancos. Eu quero

os teus dentes brancos
para mim. Por isso deixa-me
esperar este calor onde aparecerás
vestido ou despido
de linho brando

Envia-me postais da selva, com a maçã mordida nos teus dentes, insectos pousados em árvores que rompem a celeste sobra da montanha. E não inscrevas palavras no meu suspiro, no luminoso espelho em que navega o último grito, som do galope estilhaçado nos meus ouvidos homéricos.

Onde procuro o feroz rumo desta paixão de cutículas, expressas a memória da terra e da casa e andas por aí, ausente do pátio, à margem desta floresta ruiva - abstracto postal com plátanos felizes que me envias deste lago narcótico.
E se sangrares, se te acertar a seta amorosa, recolho ópio às folhas verdes, agarro neve e espinhos e chego-me para ti exibindo as ardentes rosas no peito.

Vem da luz do mar, aos meus olhos de fera perdida.

Amo os filhos, as noites, as pontes. E amo o frio que me transporta para ti, que me aninha numa nuvem de quietude, que me dobra os desejos e os adia para o futuro; o frio que guarda os desejos e me sustenta, num projecto de quem ainda não começou a vida.

Acima de tudo amo as pontes nas noites com os filhos e contigo do outro lado a convidar-me para a travessia, para a maresia, para a poesia.

Às vezes
Poderosas vezes
Penso no azul indecifrável
Que escorre das palavras
E me envolve
No lugar escondido do sonho.

Ninguém
Pode retirar-me deste infinito céu
Onde me perco
Sem voo
Numa imagem de relâmpago
Para acender um leque de cores
Ou uma lágrima.

brinco nesta tarde com as nuvens mais leves
faço bonecos macios atiro-me para cima
das flores persigo os gatos
nos telhados e fico
mais perto do céu

não nos sobra terra onde rolar
neste verão escuro

O vento empurra-te para mim, transformado em
folhas caídas – escrita anónima do tempo.
É Outono. O pátio está já carregado de ti.
E o meu corpo recebe-te, enquanto viajo, ao som do
tango que estremece na escuridão dos teus olhos.

de Intervalo

em Outros frutos (Otros frutos), Ediciones Dauro, 2005