João Luís Barreto Guimães
João Luís Barreto Guimarães, nasceu no Porto em junho de 1967, é médico, poeta e tradutor. Publicou o primeiro livro de poemas, Há Violinos na Tribo, em 1989. Depois desse, seguiram-se Rua Trinta e Um de Fevereiro (1991), Este Lado para Cima (1994), Lugares Comuns (2000), 3 (poesia 1987-1994), em 2001, Rés-do-Chão (2003), Luz Última (2006) e A Parte pelo Todo (2009)., Poesia Reunida de 2011; Você está Aqui (2013) e Mediterrâneo (2016) . Nómada (2018) O Tempo Avança por Sílabas (2019) e Movimento (2020).
Está representado em antologias e revistas literárias de Portugal, Espanha, França, Bélgica, Holanda, Reino Unido, Alemanha, Áustria, Itália, Hungria, Bulgária, Roménia, Eslovénia, Sérvia, Croácia, Montenegro, Macedónia, México, Uruguai, Chile, República Dominicana, Estados Unidos, Canadá e Brasil.
Em 2022 recebeu o Prémio Pessoa.
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Sentar-me e
ver os outros passar é o
meu exercício favorito. Entretém.
Não esgota.
É gratuito. Neste meu jogo-do-não
são os outros que passam
(é aos outros que reservo a tarefa
de passar). Lavo daí os pés.
Escrevo de dentro da vida.
Pode até parecer que assim não
chego a lugar algum mas também quem
é que quer ir
ao sítio dos outros?
in 'Luz Última'
apetece por vezes com os dias morrer por um pequeno
instante e deixar os fogos soltos na areia: acrescentar
água à face e perturbar os sentidos em busca da única
luz ou então sentir os movimentos e escrever a uma
amiga. dizer assim como quem fala: que espécie rara
de deus é o teu? a vida é ficar abraçado às dunas
apenas se há dois braços de areia por quem sonhar.
vir então aos poucos contando os mastros do verão
cumprindo o desejo das cartas de mar e assim
mesmo confundir todos os relógios da rota só
apenas para ter mais tempo para ficar. o resto é saber
o alfabeto de cor até ao fim para que as palavras vão
nascendo devagar até ser sonho no sono dos dias
ou ser sono dentro de mim
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deixar assim como que por mistério as
mãos tomarem o atalho do coração como
se os olhos fossem sábios para isso e
nada menos que tudo exigíssemos: sermos
eremitas nos nossos próprios sentimentos
(rasgar desenhos do pôr do sol com um
arpão no coração) e mesmo o céu: trazê-lo
sempre azul sempre muito mais azul. é
dessa cor perfeita que falo por imagens
de dentro é esse o lugar onde as rochas
são grãos de areia no tempo. o pescador
sempre regressa (mil viagens passadas)
para pousar os sentidos e medir rumos
pelo pulso das dunas no coração
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A noite passada enviei um SMS ao meu Pai
mas ele não respondeu. Já kontava kom issu. O
corpo dele baixou faz
outro mês amanhã
nenhum de nós destinou o Sony Ericsson dele
ao rectângulo do caixão. Era
de um género antigo (outrossim
muito estimado)
algumas horas ligado mesmo sem conversação
começava a avisar: bateria esgotada.
Duvido porém que a rede fosse boa
lá no fundo.
Quando descia aos arrumos era o que acontecia.
Sucede que agora se quero falar com ele
tenho de ligar a Deus. E eu não falo com Ele.
Não quero ter de calar (olhando-O
olhos nos Olhos:)
«uma morte nunca é justa»
«foi demasiado cedo» «já agora
passe aí a meu Pai».
Já tenho ligado para Deus
parece dar sempre ocupado.
em Poesia Reunida, Quetzal, 2011
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Nunca tanto como hoje reparei com atenção na luz do sol de Janeiro. Forte mas delicada. Furtiva mas demorada. Não arde nem faz tremer. Não é densa nem clara. A luz do sol em Janeiro: assim é o nosso amor oculto pela tinta dos dias apenas espreita uma aberta (uma distracção das nuvens) para luzir e irromper (nunca antes como hoje precisei) tanto que o vento lhe desse oportunidade). O nosso amor é Janeiro: mesmo se o julgo esquecido sei que está sempre lá.
in Rés-do-Chão, Gótica, 2003 |

lido aqui
Há tanta coisa para além do asfalto
que leva ao trabalho (o
que fica das viagwns
a voz que vem dos livros) tanta
para lá da pressa cega de
cada manhã(essa tua saia breve
o incêndio de estar vivo)
coisas para lá do
uso vil do pequeno poder:
há
(por exemplo)
o regresso.
em você está aqui, Quetzal, 2013