Czeslaw Milosz

Czeslaw Milosz nasceu no dia 30 de Junho de 1911 em Szetejnie (Lituânia). Poeta, romancista, ensaísta e tradutor. Passou a infância no caos da I Guerra e da Revolução Russa, esteve na frente da II Guerra, viveu a ocupação de Varsóvia pelos nazis e foi perseguido pelo comunismo. Em 1961 foi para os EUA como Professor de Línguas e Literaturas Eslavas. Ganhou o prémio Nobel dca literatura em 1980.

Era um filho da "outra Europa", a que no século XX mergulhou no "coração das trevas". Polaco, exilado do comunismo, viveu como cidadão do mundo sem esquecer de onde vinha. Deram-lhe o Nobel em 1980, no mesmo ano em que Walesa iniciou a revolta do Leste. Quando o muro caiu, voltou a viver na Polónia. Czeslaw Milosz, um dos grandes poetas contemporâneos, morreu ontem, aos 93 anos.

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Poemas

A assim chamada vida, quer dizer
Tudo o que é assunto de telenovela
Não lhe parecia digno de relatar.
Mesmo que quisesse falar, não o sabia.
Admiravam-no as histórias de homens e mulheres
Que se iam arrastando até à deslembrança coruscante.
Ele próprio só sabia cerrar os dentes, aguentar e
esperar que a velhice inviabilizasse os dramas,
que a novela de amores, ódios, tentações e traições
rebentasse como uma bola de sabão.

tradução: Elżbieta Milewska e Sérgio das Neves

de Alguns Gostam de Poesia - Antologia. Czeslaw Milosz e Wislawa Szymborska", edição Cavalo de Ferro, 2004

Maldiz a morte. È-nos injustamente dada.
Implora aos deuses por uma sorte santa.
Quem és tu? Um pouco de ambição, de desejo e de sonhos
Que não merece o castigo da agonia prolongada.
Só não sei o que podes fazer sozinho com a morte dos outros:
Das crianças envoltas em chamas, das mulheres baleadas,
Dos soldados feitos cegos
E que agonizam dias e dias, aqui e agora, ao teu lado.
Sem abrigo é a tua piedade, muda é a tua voz
E temes a sentença porque nada pudeste fazer.

tradução: Elżbieta Milewska e Sérgio das Neves

de Alguns Gostam de Poesia - Antologia. Czeslaw Milosz e Wislawa Szymborska", edição Cavalo de Ferro, 2004

Os meus ouvidos escutam cada vez menos as conversas, os meus olhos enfraquecem, continuando porém insaciados.
Vejo as pernas delas de mini-saia, de calças, ou de tecidos vaporosos,

Espreito cada uma, os seus rabos e coxas, pensativo, embalado por sonhos porno.

Ó lascivo velho jarreta, estás com os pés para a cova e não para os jogos e brincadeiras da juventude.

Mas não é verdade, faço apenas aquilo que sempre fiz, compondo as cenas desta terra, movido pela imaginação erótica.

Não desejo justamente estas criaturas, desejo tudo,
e elas são como um sinal de convívio extático.

Não tenho culpa de sermos feitos assim, metade de contemplação
desinteressada e metade de apetite.

Se depois de morrer for para o Céu, lá, terá de ser como aqui,
apenas hei-de livrar-me dos sentidos entorpecidos e dos ossos pesados.

Transformado em puro olhar, continuarei a absorver as proporções
do corpo humano, a cor dos lírios, a rua parisiense na madrugada de Junho.
Enfim, toda a inconcebível, a inconcebível pluralidade das coisas visíveis.

tradução: Elżbieta Milewska e Sérgio das Neves

de Alguns Gostam de Poesia - Antologia. Czeslaw Milosz e Wislawa Szymborska", edição Cavalo de Ferro, 2004

Sempre aspirei por uma forma mais ampla,
que não fosse nem poesia nem prosa em demasia
e permitisse a compreensão, sem expor ninguém,
nem autor nem leitor, a grandes tormentos.

Em sua essência, a poesia é algo horrível:
nasce de nós uma coisa que não sabíamos que está dentro de nós,
e piscamos os olhos como se atrás de nós tivesse saltado um tigre,
e tivesse parado na luz, batendo a cauda sobre os quadris.

É por isso que se afirma, com razão, que a poesia é ditada por um espírito,
embora haja exagero em afirmar que se trata de um anjo.
É difícil de entender a soberba dos poetas,
por que se envergonham, quando a fraqueza deles acaba descoberta.

Que homem inteligente gostaria de ser o país dos demónios,
que nele se multiplicam como em sua própria casa, falam inúmeras línguas,
e como se não lhes bastasse roubar-lhe a boca e as mãos,
ainda tentam alterar-lhe o destino a seu bel-prazer?

Porque hoje se respeita tudo o que é adoentado,
alguém poderá pensar que estou brincando apenas,
ou que encontrei uma outra maneira
de elogiar a Arte através da ironia.

Houve um tempo em que somente livros sábios eram lidos,
que ajudam a suportar a dor e a desgraça.
Mas isso não é o mesmo que examinar milhares
de obras oriundas directamente das clínicas psiquiátricas.

Mas o mundo é diferente daquilo que nos parece,
e nós próprios somos diferentes dos nossos delírios.
Por isso as pessoas conservam a sua silente cortesia,
para obter o respeito de parentes e vizinhos.

A vantagem da poesia consiste no facto de lembrar-nos
da dificuldade de manter a identidade,
pois a nossa casa está aberta, não há chave na porta,
e hóspedes invisíveis entram e saem.

Concordo, o que estou contando aqui não é poesia.
Poesias devem ser escritas poucas vezes e de má vontade,
sob uma pressão insuportável e apenas na esperança
de que os bons espíritos, e não os maus, tenham em nós o seu instrumento

tradução: Aleksandar Jovanovic

de Rosa do Mundo-2001 poemas para o futuro, 2ª ed. Assírio e Alvim, 2001

Let us not talk philosophy, drop it, Jeanne.

So many words, so much paper, who can stand it.
I told you the truth about my distancing myself.
I've stopped worrying about my misshapen life.
It was no better and no worse than the usual human tragedies.
For over thirty years we have been waging our dispute
As we do now, on the island under the skies of the tropics.
We flee a downpour, in an instant the bright sun again,
And I grow dumb, dazzled by the emerald essence of the leaves.
We submerge in foam at the line of the surf,
We swim far, to where the horizon is a tangle of banana bush,
With little windmills of palms.
And I am under accusation: That I am not up to my oeuvre,
That I do not demand enough from myself,
As I could have learned from Karl Jaspers,
That my scorn for the opinions of this age grows slack.
I roll on a wave and look at white clouds.
You are right, Jeanne, I don't know how to care about the salvation of my soul.
Some are called, others manage as well as they can.
I accept it, what has befallen me is just.
I don't pretend to the dignity of a wise old age.
Untranslatable into words, I chose my home in what is now,
In things of this world, which exist and, for that reason, delight us:
Nakedness of women on the beach, coppery cones of their breasts,
Hibiscus, alamanda, a red lily, devouring
With my eyes, lips, tongue, the guava juice, the juice of la prune de Cythère,
Rum with ice and syrup, lianas-orchids
In a rain forest, where trees stand on the stilts of their roots.
Death, you say, mine and yours, closer and closer,
We suffered and this poor earth was not enough.
The purple-black earth of vegetable gardens
Will be here, either looked at or not.
The sea, as today, will breathe from its depths.
Growing small, I disappear in the immense, more and more free.

 

 

lido aqui

Disse tão pouco
Dias curtos.

Dias Curtos,
Noites curtas.
Anos curtos.

Disse tão pouco,
Não tive tempo.

O meu coração cansou-se
Do êxtase,
Do desespero,
Do zelo,
Da esperança.

A boca do Leviatã
Engolia-me.

Deitava-me nu junto ao mar
Nas ilhas desertas.

Arrastava-me para o pélago
A baleia branca do mundo.

E agora não sei
O que foi verdade.      

tradução: Elżbieta Milewska e Sérgio das Neves

de Alguns Gostam de Poesia - Antologia. Czeslaw Milosz e Wislawa Szymborska", edição Cavalo de Ferro, 2004