
José Emilo Pacheco
José Emilio Pacheco nasceu na cidade do México no dia 30 de junho de 1939. Foi um destacado escritor mexicano cuja obra cruzou froneteiras. Publicou contos, romances, ensaios, artigos, crónicas e traduções, sendo sobretudo conhecido como poeta.
Ficou orfão de mãe aos seis anos, o seu pai era escritor e jornalista e em sua casa reuniam-se importantes personalidades e intelectuais, o que lhe proporcionou um contacto desde pequeno com a literatura. Començou a escrever na adolescência, época em que publicou em revistas estudantis e jmais tarde em jornais universitários. Emilio Pacheco envolveu-se no movimento estudantil de 1968 e chegou a estar preso por um breve período. Estudou direito e posteriormente Filosofia e Letras na Universidad Nacional Autónoma de México. Foi professor em várias universidades do México, Estados Unidos, Canadá e Inglaterra. Dedicou-se também à investigação no Departamento de Estudos Históricos do Instituto Nacional de Antropología e Historia e publicou vários livros sobre a reconstrução da vida cultural mexicana nos seculos XIX e XX.P articipou em diversas revistas como Medio Siglo, Letras Nuevas,Índice e El Diario de Yucatán. Esreveu numerosos artigos e ensaios quase todos sobre literatura, mas também abordou assuntos políticos e sociais. A sua consolidação como escritor deve muito às suas publicações na revista , de Fernando Benítez, seu mentor e amigo.
Integrou a chamada geração 50 e compartilhou a perspetiva cosmopolita que caracteriza os escritores dessa geração. A sua poesia aborda temas como a historia e o tempo efémero, os universos da infância e do fantástico, a vida no mundo moderno e a morte. Alguns poemas têm foco especial no seu compromisso com a justiça social e com a defesa dos direitos humanos.A escrita de José Emilio Pacheco caracteriza-se por usar uma linguagem bastante clara, concisa, e desprovida de adornos inúteis, pois para ele o verdadeiro triunfo da poesia consiste em tornar-se anónima, dissolver-se na vida. Os seus poemas são muitas vezes irónicos, com notas de humor negro e denotam uma contínua experimentação no plano formal. A sua poesia alterna entre o trascendente e o imediato, sempre com um estilo muito pessoal. Considerava a literatura como algo dinâmico e mutante o que o levou a rever e reescrever as suas próprias obras, numa vontade constante de autocrítica.
A sua obra tem influencias de poetas latinoamericanos e espanhois como Jorge Luis Borges, Luis Cernuda, Xavier Villaurrutia e Juan Rulfo. Mas sem dúvida que a amizade e o legado de Octavio Paz se destacam na formação literária de José Emilio Pacheco.
Traduziu poemas de diversas linguas, mas preferia usar o termo "aproximações". Dizia que "Un poema “puede ser escrito varias veces, lo que hace posible ‘traducir’[…] el traductor no es un traidor: es un creador”.[ Entre os escritores que traduziu encontram-se Samuel Beckett, Walter Benjamin, Harold Pinter, Oscar Wilde, T.S. Elliot, Walt Whitman, William Faulkner e muitos outros.
A obra narrativa de José Emilio está representada por quatro livros de contos e microcontos curtos e microcontos: La sangre de Medusa (1958), El viento distante y otros relatos (1963) y El principio del placer(1972), La sangre de Medusa y otros cuentos marginales (1990 e dois romances: Morirás lejos(1967) y Las batallas en el desierto (1981)
A sua obra poética : Los elementos de la noche (1963),El reposo del fuego (1966),No me preguntes cómo pasa el tiempo (1969), Irás y no volverás(1973), Islas a la deriva(1976), Desde entonces(1980 ), Los trabajos del mar(1983). Miro la tierra(1987), Ciudad de la memoria(1990), El silencio de la luna(1996), La arena errante(1999), Siglo pasado(2000), Como la lluvia(2009), La edad de las tinieblas(2009), Tarde o temprano. Poesía completa [1958-2009](2009), Como la lluvia(2009), La edad de las tinieblas (2009), El espejo de los ecos(2012)
Em Portugal foi publicdo em 2006 As batalhas no deserto, ed Cotovia e em 2024 A Árvore Tocada pelo Raio - Antologia Poética, Seleção e tradução de Miguel Filipe Mochila Editora Maldoror
Entre os prémios que conquistou, destacam-se: Magda Donato (1967), Xavier Villaurrutia (1973), Nacional de Lingüística y Literatura de México (1992), Octavio Paz (2003), Pablo Neruda (2004), García Lorca (2005), Reina Sofía de Poesía Iberoamericana e Cervantes (ambos recebidos en 2009).
Por último, é de referir que Pacheco também teve obras suas participantes ena música e no cinema. Por exemplo, a sua novela Las batallas en el desierto foi adaptada para o cinema em 1987 como Mariana, Mariana,e El reposo del fuego foi transformado em música sinfónica en 1995.
José Emilio Pacheco faleceu na cidade do Mexico no dia 26 de janeiro de 2014, dois dias depois de ter sofrido uma acidente em casa.
Ler mais:
Tomas Fernadez y ElenaTamaro, Biografia de José Emilio Pacheco;
Juan Ortiz, Lifelider.com
Mundo literario, la vida y obra de jose emiliopacheco,
Wikipedia,es
Diogo Vaz Pinto, José Emilio Pacheco o último dia do mundo
Almedina
foto: Gorka Lejarcegi
O amanhã / Memória / Aquele outro / Moralidades / Morgue
O amanhã
Aos vinte anos disseram-me: “Há
Que sacrificar-se pelo amanhã”.
E oferecemos a vida no altar
Do deus que nunca chega.
Gostaria de me encontrar já no final
Com os velhos mestres desse tempo.
Teriam que dizer-me se de verdade
Todo o horror de hoje era o amanhã.
Memória
Não tomes muito a sério
O que te diz a memória.
Provavelmente essa tarde não existiu,
Talvez tudo tenha sido auto-engano.
A grande paixão só existiu no teu desejo.
Quem te diz que não são ficções o que te contas
Para alongar o adiamento do fim
E sugerir que tudo isto
Teve ao menos algum sentido.
Aquele outro
Hoje veio ver-me o que não fui:
Aquele outro
Já para sempre não existência pura,
Ardil verbal para fôra,
Forma atenuada de dizer não fui.
Agora o entendo:
Quem não fui triunfou,
A realidade não o manchou, não teve
Que adaptar-se à eterna sordidez.
Jamais capitulou ou vendeu a alma
Por uma onça de sobrevivência.
O que não fui foi-se como se nada.
Já nunca voltará, já é impossível.
O que parte não volta ainda que regresse.
Moralidades
O nosso povo pratica a moral
E faz de cada acto uma lição ética.
Aqui nunca enterramos os mortos.
Deixamo-los apodrecer na praça pública
Para que esta humilhação final
Nos obrigue a olharmo-nos como somos.
Morgue
Não faz calor neste anexo do inferno.
Os mortos regressaram à idade do gelo.
Talvez se os deixássemos aqui
Se tornassem imortais.
Horror a vida desde o iglô da morte.
Para isto nascemos?,
Perguntamo-nos
Ao profanar a morgue com nossos olhos
E ver
Um gesto de reprovação nos cadáveres.
Quem sabe se interpreto mal:
É compaixão
O que mostram estas caras lívidas.
Originais lidos emTarde o Temprano [Poemas 1958-2009]
Tusquets Editores, Barcelona, 2010
Tradução de Carlos Mendonça Lopes.
Indesejável / Indeseable
O guarda não me deixa passar.
Ultrapassei o limite de idade.
Venho de um país que já não existe.
Os meus documentos não estão em ordem.
Falta-me um carimbo.
Preciso de outra assinatura.
Não falo a língua.
Não tenho conta bancária.
Chumbei no exame de admissão.
Cancelaram o meu posto na grande fábrica.
Fiquei desempregado hoje e para sempre.
Não tenho qualquer influência.
Estou aqui neste mundo há muito tempo.
E os nossos chefes dizem que chegou a hora
de me calar e enterrar-me no lixo.
versão: at
No me deja pasar el guardia.
He traspasado el límite de edad.
Provengo de un país que ya no existe.
Mis papeles no están en orden.
Me falta un sello.
Necesito otra firma.
No hablo el idioma.
No tengo cuenta en el banco.
Reprobé el examen de admisión.
Cancelaron mi puesto en la gran fábrica.
Me desemplearon hoy y para siempre.
Carezco por completo de influencias.
Llevo aquí en este mundo largo tiempo.
Y nuestros amos dicen que ya es hora
de callarme y hundirme en la basura.
Crítica da poesia / O Fogo / Fim de século
CRÍTICA DA POESIA
Eis aqui a chuva idêntica e sua irritada maleza.
O sal, o mar desfeito…
Apaga-se o anterior, escreve-se depois:
Este convexo mar, seus migratórios
e enraizados costumes,
já serviu alguma vez para fazer mil poemas.
(A cadela infecta, a sarnosa poesia,
risível variedade da neurose,
preço que alguns pagam
por não saber viver.
A doce, eterna, luminosa poesia.)
Talvez não seja tempo agora:
nossa época
nos deixou falando sozinhos.
O FOGO
Na madeira que se resolve em fagulha e labareda
depois em silêncio e fumaça que se perde
viste desfazer-se com sigiloso estrondo tua vida
E te indagas se haverá dado calor
se conheceu algumas das formas do fogo
se chegou a arder e iluminar com sua chama
De outra maneira tudo terá sido em vão
Fumaça e cinza não serão perdoadas
pois não puderam contra a escuridão
— tal lenha que arde em uma morada deserta
ou em uma cova que só os mortos habitam
FIM DE SÉCULO
O sangue derramado clama vingança.
E a vingança não pode engendrar
senão mais sangue derramado.
Quem sou?
o guarda de meu irmão ou aquele
a quem adestraram
para aceitar a morte dos demais,
não a própria morte?
Em nome de que posso condenar outros
à morte pelo que são ou pensam?
Porém como deixar impunes
a tortura e o genocídio ou o matar de fome?
Não quero nada para mim:
apenas desejo
o possível impossível:
um mundo sem vítimas.
Como obtê-lo não está em meu poder;
escapa à minha pequeneza, minha pobre tentativa
de esvaziar o mar de sangue que é nosso século
com a tigela trêmula da mão.
Enquanto escrevo chega o crepúsculo.
Próximo de mim os gritos que não cessaram
não me deixam fechar os olhos.
tradução: Floriano Martins
Crianças e adultos / Niños y adultos
Aos dez anos acreditava
que a terra pertencia aos adultos.
Podiam fazer amor, fumar, beber à vontade,
ir aonde quisessem.
Acima de tudo, esmagar-nos com o seu poder indomável.
Agora sei devido à muita experiência o lugar-comum:
realmente não há adultos,
apenas crianças envelhecidas.
Querem o que não têm:
o brinquedo do outro
Sentem medo de tudo.
Obedecem sempre a alguém.
Não dispõem da sua existência.
Choram por qualquer coisa.
E não são valentes como o foram aos dez anos:
fazem-no de noite, em silêncio e sozinhos.
tradução de Jorge Sousa Braga
A los diez años creía
que la tierra era de los adultos.
Podían hacer el amor, fumar, beber a su antojo,
ir a donde quisieran.
Sobre todo, aplastarnos con su poder indomable.
Ahora sé por larga experiencia el lugar común:
en realidad no hay adultos,
sólo niños envejecidos.
Quieren lo que no tienen:
el juguete del otro.
Sienten miedo de todo.
Obedecen siempre a alguien.
No disponen de su existencia.
Lloran por cualquier cosa.
Pero no son valientes como lo fueron a los diez años:
lo hacen de noche y en silencio y a solas.
Alta traição / Na poesia não há final feliz / Apocalipse na televisão / Moralidades lendárias
Alta traição
Não amo a minha pátria.
O seu fulgor abstracto
é impalpável.
Mas (por muito que não gostem de ouvi-lo)
daria a vida
por dez dos seus lugares,
por certas pessoas,
portos, bosques, desertos, fortalezas,
por uma cidade desfeita, parda, monstruosa,
várias figuras da sua história,
montanhas
– e três ou quatro rios.
Na Poesia não há lugar feliz
Na poesia não há final feliz.
Os poetas acabam
a viver a sua loucura.
E são esquartejados como gado
(foi o que aconteceu a Darío).
Ou então apedrejam-nos e acabam
atirados ao mar ou com cristais
de cianeto na boca.
Ou mortos de alcoolismo, de adição às drogas, de miséria.
Ou pior: poetas oficiais,
amargos habitantes de um sarcófago
chamado Obras Completas.
Apocalipse na televisão
Cornetas do fim do mundo
Interrompidas
Para dar lugar a um anúncio
Moralidades lendárias
Odeiam César e o poder romano.
Privam-se de comer a última uvinha
pensando nos escravos estourados
nas minas de sal ou nas galeras.
Falam das crueldades do exército
em Ilíria e nas gálias.
Empanturrados
de javali, perdizes e vitela
bebem um gole
de vinho siciliano
para empinar os lábios pronunciando
as mais belas palavras:
a uuumaaaniiidaadee, o ooomeeem, todas essas
– tão rotundas, tão grandes, tão sonoras –
que apagam a humildade de outras mais breves
– como, digamos, por exemplo, as pessoas.
Termina a função. Entram os servos
para levarem os restos do banquete.
Então os patrícios acomodam-se
aos seus mantos de Chipre.
Com o fogo do prazer nos olhinhos,
como um gladiador que afunda o tridente,
enumeram felizes os abortos
de Clódia a Toscana,
a impotência de Lívio, os avanços
do cancro em Vitélio.
Afirmam que é cornudo o velho Cláudio
e condenam Flávio à cadeia,
um escravo liberto, um arrivista.
Depois à saída acordam aos pontapés
o cocheiro insolado
e marcham com fervor em direcção ao Palatino
para oferecerem mansamente o triste cu
ao magnânimo César.
Tradução: Miguel Filipe Mochila
¿Qué va a quedar de mí cuando me muera
sino esta llave ilesa de agonía,
estas pocas palabras con que el día,
dejó cenizas de su sombra fiera?
¿Qué va a quedar de mí cuando me hiera
esa daga final? Acaso mía
será la noche fúnebre y vacía
que vuelva a ser de pronto primavera.
No quedará el trabajo, ni la pena
de creer y de amar. El tiempo abierto,
semejante a los mares y al desierto,
ha de borrar de la confusa arena
todo lo que me salva o encadena.
Más si alguien vive yo estaré despierto.
poema lido aqui
La gota es un modelo de concisión:
todo el universo
encerrado en un punto de agua.
La gota representa el diluvio y la sed.
Es el vasto Amazonas y el gran Océano.
La gota estuvo allí en el principio del mundo.
Es el espejo, el abismo,
la casa de la vida y la fluidez de la muerte.
Para abreviar, la gota está poblada de seres
que se combaten, se exterminan, se acoplan.
No pueden salir de ella,
gritan en vano.
Preguntan como todos:
¿de qué se trata,
hasta cuándo,
qué mal hicimos
para estar prisioneros de nuestra gota?
Y nadie escucha.
Sombra y silencio en torno de la gota,
brizna de luz entre la noche cósmica
en donde no hay respuesta.
poema lido aqui
La matéria deshecha
Vuelve a mi boca, sílaba, lenguaje
que lo perdido nombra y reconstruye.
Vuelve a tocar, palabra, el vasallaje
con tu propio fuego te destruye.
Regresa, pues, canción, hasta el paraje
en donde el tiempo acaba mientras fluye.
No hay monte o muro que su paso ataje:
lo perdurable, no el instante, huye.
Ahora te nombro, incendio, y en tu hoguera
me reconozco: vi en tu llamarada
lo destruido y lo remoto. Era
árbol fugaz de selva calcinada
palabra que recobra en su sonido
la materia deshecha del olvido.
Noche y nieve
Me asomé a la ventana y en lugar de jardín hallé la noche
enteramente constelada de nieve
La nieve hace tangible el silencio y es el desplome de la
luz y se apaga
La nieve no quiere decir nada: Es sólo una pregunta que
deja caer millones de signos de interrogación sobre el
mundo
La diosa blanca
Porque sabe cuánto la quiero y cómo hablo de ella en su ausencia,
la nieve vino a despedirme.
Pintó de Brueghel los árboles.
Hizo dibujo de Hosukai el campo sombrío.
Imposible dar gusto a todos.
La nieve que para mí es la diosa, la novia,
Astarté, Diana, la eterna muchacha,
para otros es la enemiga, la bruja, la condenable a la hoguera.
Estorba sus labores y sus ganancias.
La odian por verla tanto y haber crecido con ella.
La relacionan con el sudario y la muerte.
A mis ojos en cambio es la joven vida, la Diosa Blanca
que abre los brazos y nos envuelve por un segundo y se marcha.
Le digo adiós, hasta luego, espero volver a verte algún día.
Adiós, espuma del aire, isla que dura un instante.
Susurros en el viento
En el silencio de la tarde calma,
los susurros en el viento se alzan,
palabras íntimas y etéreas,
que en mi alma encuentran su morada.
El viento, mensajero fiel,
trae consigo secretos y anhelos,
acariciando mi rostro con dulzura,
como caricias de seres queridos.
En cada suspiro del aire,
se esconden historias sin contar,
recuerdos susurrados al oído,
que despiertan emociones en mi interior.
Es el viento quien trae consigo
a esencia misma de la vida,
la nostalgia de lo que fue,
y la promesa de lo que vendrá.
En la sinfonía de susurros,
me siento parte del universo,
una melodía que se eleva,
en mi corazón resuena.
Así, en el murmullo del viento,
descubro el eco de mis propios sentimientos,
un canto silencioso y profundo,
que se funde con el mundo.
Y en esta danza etérea,
me encuentro conmigo misma,
abrazando el presente fugaz,
como susurros en el viento que se van.
Contraelegía
Mi único tema es lo que ya no está
Y mi obsesión se llama lo perdido
Mi punzante estribillo es nunca más
Y sin embargo amo este cambio perpetuo
este variar segundo tras segundo
porque sin él lo que llamamos vida
sería de piedra.
Desde entonces
Hubo una edad (siglos atrás, nadie lo recuerda)
en que estuvimos juntos meses enteros,
desde el amanecer hasta la media noche.
Hablamos todo lo que había que hablar.
Hicimos todo lo que había que hacer.
Nos llenamos
de plenitudes y fracasos.
En poco tiempo,
incineramos los contados días.
Se hizo imposible
sobrevivir a lo que unidos fuimos.
Y desde entonces la eternidad
me dio un gastado vocabulario muy breve:
"ausencia", "olvido", "desamor", "lejanía".
Y nunca más, nunca más, nunca, nunca
Fin de siglo
«La sangre derramada clama venganza».
Y la venganza no puede engendrar
sino más sangre derramada
¿Quién soy:
el guarda de mi hermano o aquel
a quien adiestraron
para aceptar la muerte de los demás,
no la propia muerte?
¿A nombre de qué puedo condenar a muerte
a otros por lo que son o piensan?
Pero ¿cómo dejar impunes
la tortura o el genocidio o el matar de hambre?
No quiero nada para mí:
sólo anhelo
lo posible imposible:
un mundo sin víctimas.
Cómo lograrlo no está en mi poder;
escapa a mi pequeñez, a mi pobre intento
de vaciar el mar de sangre que es nuestro siglo
con el cuenco trémulo de la mano
Mientras escribo llega el crepúsculo
cerca de mí los gritos que no han cesado
no me dejan cerrar los ojos
En el último río
de la ciudad, por error
o incongruencia fantasmagórica, vi
de repente un pez casi muerto. Boqueaba
envenenado por el agua inmunda, letal
como el aire nuestro. Qué frenesí
el de sus labios redondos,
el cero móvil de su boca.
Tal vez la nada
o la palabra inexpresable,
la última voz
de la naturaleza en el valle.
Para él no había salvación
sino escoger entre dos formas de asfixia.
Y no me deja en paz la doble agonía,
el suplicio del agua y su habitante.
Su mirada doliente en mí,
su voluntad de ser escuchado,
su irrevocable sentencia.
Nunca sabré lo que intentaba decirme
el pez sin voz que sólo hablaba el idioma
omnipotente de nuestra madre la muerte.
lido aqui
Homenaje a la cursilería
Amiga que te vas:
quizá no te vea más.
Ramón López Velarde
Dóciles formas de entretenerte, olvido:
recoger piedrecillas de un río sagrado
y guardar las violetas en los libros
para que amarilleen ilegibles.
Besarla muchas veces y en secreto
en el último día,
antes de la terrible separación;
a la orilla
del adiós tan romántico
y sabiendo
(aunque nadie se atreva a confesarlo)
que nunca volverán las golondrinas.
Otro homenaje a la cursilería
Dear, dear!
Life’s exactly what it looks,
Love may triumph in the books,
not here.
W.H. Auden
Me preguntas por qué de aquellas tardes
en que inventamos el amor no queda
un solo testimonio, un triste verso.
(Fue en otro mundo: allí la primavera
lo devoraba todo con su lumbre.)
Y la única respuesta es que no quiero
profanar el amor invulnerable
con oblicuas palabras, con ceniza
de aquella plenitud, de aquella lumbre.
lidos aqui
11.
Si nada sobra, nada falta: hay comida,
tienes techo, ropa limpia,
cuadernos de dibujo, libros, juguetes.
Por un azar incomprensible te tocó en suerte nacer
del otro lado de la muralla, en los márgenes.
Pero de cualquier modo no te moja la lluvia
no sufres hambre,
cuando te enfermas hay un médico; eres querido
y te esperaron en el mundo.
Son muchos
los privilegios que te cercan y das
por descontados. Sería imposible
pensar que otros no los tienen.
Y un día
te sale al paso la miseria. La observas
y no puedes creer que existan niños
sin pan, sin ropa, sin cuadernos, sin padre.
Te vuelves y preguntas por qué hay pobres.
Descubres
que está mal hecho el mundo.
lido aqui