René Char

René Char , figura chave da moderna literatura francesa,  nasceu no dia 14 de Junho de 1907, em Isle-sur-Sorgue, na Provença. Depois de completar o liceu,em Avignon, a família decidiu enviá-lo para Marselha, onde estudou ciências empresariais, sem grande convicção.  Em 1929, em Paris, conhece André Breton, René Crevel  e Louis Aragon e adere ao movimento surrealista mas a sua escrita torna-se independente a partir de 1934.

Foi amigo de pintores como Braque, Giacometti e Picasso. Durante a guerra participa activamente na resistência armada contra o nazismo. O seu livro Les Feuillets d'Hypnos (1946) reflecte essa experiência. Durante os anos 60, manifestou-se contra a instalação de centrais nucleares em França. Morreu, de ataque cardíaco, no dia 19 de Fevereiro de 1988. Livros publicados em Portugal: Este Fanático das Nuvens, Cotovia, 1995 e Furor e Mistério, Relógio D’Àgua, 2000.

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Poemas

Para que uma floresta seja esplêndida
Necessita de anos e infinito.
Não me deixeis tão depressa, amigos
Da merenda sob o granizo.
Abetos que dormis nas nossas camas,
Perpetuai na erva os nossos passos.

tradução: António Ramos Rosa

 

Allégeance

Dans les rues de la ville il y a mon amour. Peu importe où il va dans le temps divisé.Il n’est plus mon amour, chacun peut lui parler. Il ne se souvient plus; qui au juste l’aima?
Il cherche son pareil dans le voeu des regards. L’espace qu’il parcourt est ma fidélité. Il dessine l’espoir et léger l’éconduit. Il est prépondérant sans qu’il y prenne part.
Je vis au fond de lui comme une épave heureuse. A son insu, ma solitude est son trésor. dans le grand méridien où s’inscrit son essor, ma liberté le creuse.
Dans les rues de la ville il y a mon amour. Peu importe où il va dans le temps divisé. Il n’est plus mon amour, chacun peut lui parler. Il ne se souvient plus; qui au juste l’aima et l’éclaire de loin pour qu’il ne tombe pás?

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Pelas ruas da cidade anda o meu amor. Pouco importa para onde vai no tempo dividido. Já não é o meu amor, todos podem falar-lhe. Já não se lembra; quem ao certo o amou?
Procura o seu semelhante na promessa dos olhares. O espaço que percorre é a minha fidelidade. Desenha a esperança e levianamente a despede. É preponderante sem tomar parte em nada.
Vivo afundado nele como um feliz destroço. Sem que ele o saiba, a minha solidão é o seu tesouro. No grande meridiano em que se inscreve o seu voo, a minha liberdade trespassa-o.
Pelas ruas da cidade caminha o meu amor. Pouco importa para onde vai no tempo dividido. Já não é o meu amor, todos podem falar-lhe. Já não se lembra; quem ao certo o amou e de longe o ilumina para que não caia?

Tradução: Margarida Vale de Gato

de Furor e Mistério, Relógio D’Àgua, 2000.

 

 

de Georges de La Tour

Je voudrais aujourd’hui que l’herbe fût blanche pour fouler l’evidence de vous voir souffrir: je ne regarderais pás sous votre main si jeune la forme dure, sans crépi de la mort. Un jour discrétionnaire, d’autres pourtant moins avides que moi, retireront votre alcôve. Mais ils oublieront en partant de noyer la veilleuse et un peu d’huile se répandra par le poignard de la flamme sur l’impossible solution.

***

Queria hoje que a erva fosse branca para pisar os sinais visíveis do  vosso sofrimento: não veria sob a vossa mão tão jovem a forma dura, sem reboco, da morte. Num dia discricionário, outros, apesar de monos ávidos do que eu, hão-de retirar-vos a camisa de estoupa, ocupar a vossa alcova. Mas, quando partirem, hão-de esquecer-se de apagar a lamparina e um pouco de óleo derramar-se-á pelo punhal da labareda sobre a impossível solução.

tradução: Margarida Vale de Gato

em, Furor e mistério, Relógio D'Água, 2000

 

O Verão cantava sobre a sua rocha preferida
quando tu me apareceste,

o Verão cantava afastado de nós
que éramos silêncio,
simpatia,
liberdade triste,
mar
mais ainda do que o mar,
cuja enorme comporta azul
brincava aos nossos pés.

O Verão cantava
e o teu coração nadava longe dele.
Eu beijava a tua coragem,
entendia a tua perturbação.

Estrada através do absoluto das vagas
em direcção a esses altos picos de escuma
onde navegam virtudes assassinas
para as mãos que seguram as nossas casas.

Não éramos crédulos.
Éramos rodeados.

Os anos passaram.
As tempestades morreram.
O mundo partiu.

Sofria
por sentir que era o teu coração que já não me conhecia.

Eu amava-te.
Na minha ausência de rosto e no meu vazio de felicidade.

Eu amava-te,
mudando em tudo,
fiel a ti.

tradução:  Margarida Vale de Gato

Furor e mistério, Relógio D'Água, 2000