Wallace Stevens

Wallace Stevens nasceu em 1879 em Reading na Pensilvânia. Estudou em Harvard. Graduou-se em Direito em Nova Iorque em 1903. Em 1916 mudou-se para Hartford, Conecticut, onde viveu o resto da vida. Exerceu jornalismo e advocacia.  Começou a escrever poemas ainda em Harvard mas a suas obras mais conhecidas surgem bastante mais tarde. Publicou o seu primeiro livro, Harmonium, em 1923.

Escreveu Sunday Morning aos 38 anos e já tinha mais de 70 quando publicou The Auroras of Autumn, um dos seus mais belos livros de poesia. Em 1954 ganhou o Nacional Book Award com o livro Collected Poems. Morreu no dia 2 de Agosto de 1955.

Em Portugal, em 1991, a Assírio & Alvim, publicou Ficção Suprema (ed. bilingue).

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Poemas

Tattoo

The light is like a spider.
It crawls over the water.
It crawls over the edges of the snow.
It crawls under your eyelids
And spreads its webs there--
Its two webs.

The webs of your eyes
Are fastened
To the flesh and bones of you
As to rafters or grass.

There are filaments of your eyes
On the surface of the water
And in the edges of the snow.

Tatuagem

A luz é como uma aranha.
Move-se sobre a água.
Move-se sobre os contornos da neve.
Move-se sob as tuas pálpebras
E aí espalha as suas teias—
As suas duas teias.

As teias dos teus olhos
Estão presas
À tua carne e aos teus ossos
Como em traves ou na relva.

Há filamentos dos teus olhos
Na superfície da água
E nos contornos da neve.

tradução: Sandra Costa

Two Figures In Dense Violet Night

I had as lief be embraced by the porter at the hotel
As to get no more from the moonlight
Than your moist hand.

Be the voice of night and Florida in my ear.
Use dusky words and dusky images.
Darken your speech.

Speak, even, as if I did not hear you speaking,
But spoke for you perfectly in my thoughts,
Conceiving words,

As the night conceives the sea-sounds in silence,
And out of their droning sibilants makes
A serenade.

Say, puerile, that the buzzards crouch on the ridge-pole
And sleep with one eye watching the stars fall
Below Key West.

Say that the palms are clear in a total blue,
Are clear and are obscure; that it is night;
That the moon shines. 

de Harmonium, 1923

Duas figuras numa densa noite violeta

Tanto me agradava ser abraçado pelo porteiro no hotel
Como nada mais conseguir do luar
Do que a tua mão húmida.

Sê a voz da noite e Florida no meu ouvido.
Usa palavras sombrias e imagens sombrias.
Escurece o teu discurso.

Fala, ainda, como se eu não te tivesse ouvido falar,
Mas te falasse perfeitamente nos meus pensamentos,
Concebendo palavras,

Como a noite concebe os sons do mar em silêncio,
E dos seus zumbidos sibilantes faz
Uma serenata.

Diz, pueril, que os bútios se inclinam sobre as vigas do telhado
E dorme com um olho observando a queda das estrelas
Abaixo de Key West.

Diz que as palmeiras são claras num azul absoluto,
São claras e são obscuras; que é noite;
Que a lua brilha.

tradução: Sandra Costa

 

 

III

Meço-me
Contra uma árvore alta.
Acho que sou muito mais alto,
Pois chego mesmo até ao sol,
Com os meus olhos;
E chego à praia do mar
Com os meus ouvidos.
Todavia não gosto
Do modo como as formigas rastejam
Para dentro e para fora da minha sombra.

poema encontrado aqui

O Sentido Simples das Coisas

Depois das folhas terem caído, regressamos
A um sentido simples das coisas. É como se
Tivéssemos chegado ao fim da imaginação,
Inanimados num inerte savoir.

É difícil até escolher o adjectivo
Para este frio vazio, esta tristeza sem causa.
A grandiosa estrutura tornou-se numa casa menor.
Nenhum turbante caminha através dos soalhos degradados.

A estufa nunca precisou tanto de tinta.
A chaminé tem cinquenta anos e está inclinada para um lado.
Falhou um esforço fantástico, uma repetição
Numa repetitividade de homens e moscas.

Contundo a ausência da imaginação tinha
Ela própria de ser imaginada. O lago grandioso,
O seu sentido simples, sem reflexos, folhas,
Lama, água como vidro sujo, expressando silêncio.

De certo tipo, silêncio de um rato saindo para ver,
O lago grandioso e a sua imensidade de nenúfares, tudo isto
Tinha de ser imaginado como um conhecimento inevitável,
Exigido, como uma necessidade exige.

tradução: Luísa Maria Lucas Queiroz de Campos
de Ficção Suprema, Assírio & Alvim, 1991

 

Thirteen Ways of Looking at a Blackbird  

I

Among twenty snowy mountains,
The only moving thing
Was the eye of the blackbird.
 
II

I was of three minds,
Like a tree
In which there are three blackbirds.
 
III

The blackbird whirled in the autumn winds.
It was a small part of the pantomime.
 
IV

A man and a woman
Are one.
A man and a woman and a blackbird
Are one.
 
V

I do not know which to prefer,
The beauty of inflections
Or the beauty of innuendoes,
The blackbird whistling
Or just after.
 
VI

Icicles filled the long window
With barbaric glass.
The shadow of the blackbird
Crossed it, to and fro.
The mood
Traced in the shadow
An indecipherable cause.
 
VII

O thin men of Haddam,
Why do you imagine golden birds?
Do you not see how the blackbird
Walks around the feet
Of the women about you?
 
VIII

I know noble accents
And lucid, inescapable rhythms;
But I know, too,
That the blackbird is involved
In what I know.
 
IX

When the blackbird flew out of sight,
It marked the edge
Of one of many circles.
 
X

At the sight of blackbirds
Flying in a green light,
Even the bawds of euphony
Would cry out sharply.
 
XI

He rode over Connecticut
In a glass coach.
Once, a fear pierced him,
In that he mistook
The shadow of his equipage
For blackbirds.
 
XII

The river is moving.
The blackbird must be flying.
 
XIII

It was evening all afternoon.
It was snowing
And it was going to snow.
The blackbird sat
In the cedar-limbs.

de Collected Poems of Wallace Stevens. Copyright © 1954 by Wallace Stevens. Used by permission of Alfred A. Knopf, Inc.

de Poesia do Século XX, organização e tradução de Jorge de Sena, Fora do Texto, 1994

 

Treze Maneiras de Olhar para um Melro

I

Entre as vinte montanhas nevadas
A única coisa movendo-se
Era o olho de um melro.

II

Eu tinha três almas
Como a árvore
Em que há três melros.

III

Os melros rodopiaram nos ventos outonais.
O que era uma pequena parte da pantomima.

IV

Um homem e uma mulher
São um.
Um homem e uma mulher e um melro,
São um.

V

Não sei que preferir -
A beleza das inflexões
Ou a beleza das insinuações,
O melro que gorjeia,
Ou o depois.

VI

Pingos de gelo enchiam a vasta janela
De vidro bárbaro.
A sombra do melro
Cruzava-a, de cá para lá, de lá para cá.
A situação
Traçava na sombra
Um curso indecifrável.

VII

Ó homens magros de Haddam,
Porque imaginais pássaros de ouro?
Não vedes como o melro
Passeia à volta dos pés
Das mulheres à vossa volta?

VIII

Sei de nobres tons
E de lúcidos e inescapáveis ritmos;
Mas também sei
Que o melro está envolvido
No que eu sei.

IX

Quando o melro desapareceu da vista,
Marcou o limite
De um de vários círculos.

X

À vista dos melros
Voando na luz verde
Até os alcoviteiros da eufonia
Gritariam desafinados.

XI

O homem atravessou o Connecticut
Num coche de vidro.
Uma vez, um terror o trespassou,
E foi quando tomou
A sombra dos cavalos
Por melros.

XII

O rio move-se.
O melro deve estar a voar.

XIII

Foi entardecer toda a tarde.
Nevava
E estava a ponto de nevar.
O melro pousado
Nos ramos do cedro.

É preciso uma mente de inverno
Para olhar a geada e os ramos
Dos pinheiros cobertos pela nevada
E há muito tempo fazer frio
Para observar os zimbros arrepiados de gelo,
Os abetos ásperos no brilho distante
Do sol de janeiro; e não pensar
Em qualquer miséria no som do vento,
No som de umas poucas folhas
Que é o som da terra
Cheia do mesmo vento
Que sopra no mesmo lugar vazio
Para alguém que escuta, escuta na neve,
E, ausente, observa
Nada que não está lá e o nada que é.

Tradução: Paulo Venâncio Filho

A noite nada sabe dos cantos da noite
É o que é como eu sou o que sou:
E em percebendo isto percebo-me melhor

E percebo-te melhor. Só nós dois podemos trocar
Um no outro o que cada um tem para dar.
Só nós dois somos um, não tu e a noite,

Nem a noite e eu, mas tu e eu, sozinhos,
Tão sozinhos, tão profundamente nós mesmos,
Tão para lá das casuais solidões,

Que a noite é apenas um fundo para nós,
Supremamente fiel cada um ao seu próprio eu,
Na pálida luz que um sobre o outro lança.

 

lido aqui

Morremos de vez, é certo.
Por isso, a vida é uma coisa,
De que acontece, ou não, gostar.

Mas, sendo assim, porque me acontece
Gostar do mato vermelho,
Da erva cinzenta e do céu verde cinza?

E mais? Mas, vermelho,
Cinzento, verde, porquê, especialmente?
Não foi isso que eu disse:

Não esses especialmente. Apenas esses.
Gostamos do que acontece gostarmos.
Gostamos da maneira como o vermelho cresce.

Não tem nenhuma importância.
Acontecer gostar é uma das maneiras
Que as coisas têm de acontecer.

 

lido aqui

De noite, à lareira,
As cores dos arbustos
E das folhas caídas,
Repetindo-se,
Redemoinharam na sala,
Como as próprias folhas
Redemoinhando ao vento.
Sim: mas a cor das pesadas cicutas
Veio a passos largos.
E recordei o grito dos pavões.

As cores das suas caudas
Eram como as mesmas folhas
Redemoinhando ao vento,
Ao vento do crepúsculo.
Varreram a sala,
Tal como voaram dos ramos das cicutas
Para baixo, para o chão.
Ouvi-os gritar – os pavões.
Seria um grito contra o crepúsculo
Ou contra as próprias folhas
Redemoinhando ao vento,
Redemoinhando como as chamas
Redemoinhavam na lareira,
Redemoinhando como as caudas dos pavões
Redemoinhavam ao fogo ruidoso,
Ruidoso como as cicutas
Cheias do grito dos pavões?
Ou seria um grito contra as cicutas?

Da janela,
Vi como os planetas se juntavam
Como as mesmas folhas
Redemoinhando ao vento.
Vi como a noite veio,
Veio a passos largos como a cor das pesadas cicutas
Senti medo.
E recordei o grito dos pavões.

lido aqui
em Ficção Suprema, Assírio & Alvim

tradução de Luísa Maria Lucas Queiroz de Campos