Anne Sexton

Anne Gray Harvey Sexton nasceu em Newton, Massachusetts, em 1928. Depois do nascimento da sua primeira filha, em 1953 foi vítima de várias crises depressivas, algumas levando a tentativas de suicídio e a internamentos.

Apesar de tudo, teve uma carreira de sucesso e ganhou o prémio Pulitzer para a poesia em 1967 com o livro Live or Die. A sua obra reflecte a angústia emocional que caracterizou a sua vida. A condição feminina é um dos temas centrais na sua poesia.

Foi duramente criticada por abordar temas como a menstruação, o aborto e a toxicodependência. A depressão acabou por  vencê-la em 1974. Anne Sexton suicidou-se aos 46 anos.

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Poemas

I have gone out, a possessed witch,
haunting the black air, braver at night;
dreaming evil, I have done my hitch
over the plain houses, light by light:
lonely thing, twelve-fingered, out of mind.
A woman like that is not a woman, quite.
I have been her kind.

I have found the warm caves in the woods,
filled them with skillets, carvings, shelves,
closets, silks, innumerable goods;
fixed the suppers for the worms and the elves:
whining, rearranging the disaligned.
A woman like that is misunderstood.
I have been her kind.

I have ridden in your cart, driver,
waved my nude arms at villages going by,
learning the last bright routes, survivor
where your flames still bite my thigh
and my ribs crack where your wheels wind.
A woman like that is not ashamed to die.
I have been her kind.

in The Complete Poems                                     

Be careful of words,
even the miraculous ones.
For the miraculous we do our best,
sometimes they swarm like insects
and leave not a sting but a kiss.
They can be as good as fingers.
They can be as trusty as the rock
you stick your bottom on.
But they can be both daisies and bruises.
Yet I am in love with words.
They are doves falling out of the ceiling.
They are six holy oranges sitting in my lap.
They are the trees, the legs of summer,
and the sun, its passionate face.
Yet often they fail me.
I have so much I want to say,
so many stories, images, proverbs, etc.
But the words aren't good enough,
the wrong ones kiss me.
Sometimes I fly like an eagle
but with the wings of a wren.
But I try to take care
and be gentle to them.
Words and eggs must be handled with care.
Once broken they are impossible
things to repair.

A fúria dos pores-do-sol

Algo
frio está no ar,
uma aura de gelo
e apatia
Todo o dia construí
uma vida inteira e agora
o sol afunda-se para
a desfazer.
O horizonte sangra
e chupa o seu polegar
o pequeno polegar vermelho
desaparece.
E eu interrogo-me sobre
esta vida inteira comigo,
este sonho que estou a viver.
E podia comer o céu
como uma maçã
mas prefiro
perguntar à primeira estrela:
porque estou aqui?
porque vivo nesta casa?
quem é o responsável?
hã?

*********

Há mil portas atrás
quando eu era uma miúda solitária
numa casa grande com quatro
garagens e era verão
desde sempre,
da noite deitada na relva,
com os trevos a enrugarem-se por cima de mim
as estrelas sábias deitadas sobre mim,
a janela da minha mãe um funil
de calor amarelo a escorrer
a janela do meu pai, meia fechada,
um olho onde adormecidos passavam,
e as tábuas da casa
eram macias e brancas como a cera
e provavelmente um milhão de folhas
velejavam nos seus caules estranhos
enquanto os grilos faziam tiquetaque em uníssono
e eu, no meu corpo recém estreado,
que ainda não era o de uma mulher,
dizia às estrelas as minhas perguntas
e pensava que Deus poderia mesmo ver
o calor e a luz pintada,
cotovelos, joelhos, sonhos, boa noite.

duas traduções da lebre

 

Uma mulher que escreve sente demais,
todos os transes e presságios!
Como se os ciclos e crianças e ilhas
não bastassem; como se lamentações e bisbilhotices
e saladas nunca fossem bastantes.
Ela pensa que pode alcançar as estrelas.
Uma escritora é sobretudo uma espia.
Eu sou essa mulher, meu amor.

Um homem que escreve sabe demais,
todos os truques e fetiches!
Como se erecções e congressos e produção
não bastassem; como se máquinas e galeões
e guerras nunca fossem bastantes.
Ele transforma um móvel velho numa árvore.
Um escritor é sobretudo um ilusionista.
Tu és esse homem, meu amor.

Sem nos amarmos a nós mesmos,
odiando até os chapéus e os sapatos um do outro,
o nosso amor é precioso, muito precioso.
As nossas mãos são azuis claras e delicadas
Os nossos olhos plenos de confissões espantosas.
Mas quando nos casarmos,
as crianças vão desaparecer enjoadas.
Sobrará imensa comida e ninguém vai ficar
para acabar com toda essa estranha abundância.

Ela está toda ali
Ela derreteu-se cuidadosamente para ti
Moldou-se desde a tua infância, moldou-se a partir das tuas cem colegiais favoritas

Ela esteve sempre ali, meu querido,
Ela é de facto requintada,
Fogo-de-artifício no monótono meio de Fevereiro
E tão real como uma caçarola de ferro fundido

Encaremos o facto, tenho sido um momento
De luxúria. Um aviso vermelho brilhante no porto.
O meu cabelo subindo como fumo da janela do carro.
Amêijoas fora de estação.
Ela é mais do que isso. Ela é o teu ter por ter,
Fez desenvolver o teu prático e tropical crescimento.
Isto não é uma experiência. Ela é toda harmonia.
Ela olha para os remos e toletes das baleeiras,

Colocou flores silvestres à janela ao pequeno-almoço,
Ei-la sentada no torno do oleiro ao meio-dia,
Pôs cá fora três crianças ao luar,
Três querubins  desenhados por Miguel Angêlo,
Fez isto com as suas pernas abertas
Nos terríveis meses na capela.
Se deres uma vista de olhos, as crianças estão ali
Como delicados balões suspensos no tecto.

Ela trazia também cada uma para o hall
Depois da ceia, as cabeças inclinadas por respeito,
Duas pernas protestando, pessoa a pessoa,
A face corada com uma canção e o seu sono.

Devolvo-te o teu coração.
Dou-te permissão _
Para o rastilho dentro dela, palpitante
Iradamente na lama, para a cabra nela
E o enterro da sua ferida _

Para o pálido e trémulo fulgor debaixo das costelas,
Para o marinheiro bêbedo que espera no seu pulso esquerdo,
Para o colo da mãe, para as meias,
Para o cinto de ligas, para a chamada _
A curiosa chamada
Quando desapareceres e braços e seios
E puxares a fita cor de laranja nos cabelos dela
E responderes à chamada, a curiosa chamada.

Ela é tão nua e singular.
Ela é a soma de ti e do teu sonho.
Escala-a como um monumento, passo a passo.
Ela é sólida.

Quanto a mim, sou uma aguarela.
Diluo-me.

encontrado aqui

Para os anjos que habitam esta cidade,
Ainda que a sua forma mude constantemente,
todas as noites deixamos algumas batatas frias
e uma tigela de leite no parapeito.
Geralmente eles habitam o céu onde,
a propósito, não são permitidas lágrimas.
Eles empurram a lua à volta como
Um inhame cozido
A via láctea é a sua galinha
com os seus muitos filhos.
Quando é noite as vacas deitam-se
mas a lua, esse grande touro,
fica em pé.

No entanto, há lá um quarto trancado
com uma porta de ferro que não pode ser aberta.
Tem lá dentro todos os teus sonhos maus.
É o inferno.
Há quem diga que o diabo fecha a porta
por dentro.
Há quem diga que os anjos a trancam por fora.
As pessoas lá dentro não têm água
E não lhes é permitido tocar
Racham-se como macadame.
São mudas.
Não gritam socorro
excepto dentro
onde os seus corações estão cobertos de larvas

Eu gostaria de destrancar essa porta,
rodar a chave ferrugenta
e segurar cada caído nos meus braços
mas não posso, não posso.
Eu apenas me posso sentar aqui na terra
no meu lugar à mesa.

edição e tradução: maria

Quem é ele?
Um carril de comboios em direcção ao inferno?
Partindo-se como um pau de mobília?
A esperança que subitamente transborda da fossa?
O amor que vai pelo cano abaixo como cuspo?
O amor que disse para sempre, para sempre
e depois te atropela como um camião?
És tu uma oração que flutua para um anúncio de rádio?
Desespero,
não gosto muito de ti.
Não ficas bem com a minha roupa e os meus cigarros.
Porque te instalas aqui
tão grande como um tanque
apontando para metade duma vida?
Não podias apenas flutuar para uma árvore
em vez de te alojares aqui nas minhas raízes,
forçando-me para fora da vida que levei
quando tem sido a minha barriga por tanto tempo?

Está bem!
Eu levo-te comigo na viagem
onde por muitos anos
os meus braços têm estado mudos

tradução da "lebre"

 

Nós somos a América.
Somos os enchedores de caixões.
Nós somos os merceeiros da morte.
Nós empacotamo-los como se fossem couves-flor.

A bomba abre-se como uma caixa de sapatos.
E a criança?
A criança certamente não boceja.
E a mulher?
A mulher lava o seu coração.
Foi-lhe estropiado
e, porque está queimado,
num acto derradeiro,
ela enxagua-o no rio.
Este é o mercado da morte.

América,
onde estão as tuas credenciais?

Tradução: Henrique Manuel Bento Fialho

"Gostas de mim?"
Perguntei ao blazer azul.
Sem resposta.
O silêncio saiu ruidosamente dos seus livros.
O silêncio caiu da sua língua
e sentou-se entre nós.
e obstruiu a minha garganta.
E trucidou a minha confiança.
Despedaçou cigarros para fora da minha boca.
Trocámos palavras cegas,
e eu não chorei,
e eu não implorei,
mas a escuridão encheu os meus ouvidos,
a escuridão atacou o meu coração,
e algo que tinha sido bom,
uma espécie de oxigénio bondoso,
Transformou-se em gás de forno.

"Gostas de mim?"
Que absurdo!
Que raio de pergunta é essa?
Que raio de silencio é esse?
E porque é que eu ando a rondar,
intrigada com o que é que o silêncio dele disse?

tradução: Maria Sousa