Lucian Blaga
Lucian Blaga poeta, filósofo, tradutor, dramaturgo e diplomata, nasceu em 1895 in Lancrăm, na Roménia. È um dos principais nomes da literatura Romena do século XX. Escreveu quase quarenta livros, mais de uma dezena dos quais de filosofia. Seu primeiro livro de poesia, Os Poemas da Luz, foi publicado em 1919.
Seguiu-se Os Passos do Profeta, de 1921. A sua principal obra filosófica está reunido em três trilogias: Trilogia do Conhecimento, de 1943; Trilogia da Cultura, de1944; e Trilogia dos Valores, de 1946. Foi embaixador da Romênia em Portugal, entre 1938 e 1939.
Em 1948, já na vigência do regime pró-soviético na Roménia, foi demitido de sua posição de professor universitário e "arrumado" como bibliotecário do instituto histórico. Até 1960, só publicou traduções, sendo proibidos títulos de sua própria lavra. Morreu em 1961, marginalizado e perseguido pelo regime ditatorial Romeno.
Micaela Ghitescu traduziu para português parte da obra poética da Lucian Blaga, integrando a antologia intitulada Nas Cortes da Saudade, escrito durante a estadia do poeta em Portugal e publicada em maio de 1999 pela Editora Minerva de Coimbra.
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AOS LEITORES
Aqui é minha casa.
Ali ficam o sol e o jardim com colméias.
Vocês vêm pela trilha, olham da porta por entre
as grades
e esperam que eu fale. ... Por onde começar?
Creiam em mim, creiam em mim,
sobre seja o que for pode-se falar quanto se queira:
sobre o destino e sobre a serpente do bem,
sobre os arcanjos que lavram com o arado
os jardins do homem,
sobre o céu para onde crescemos,
sobre o ódio e a queda, tristezas e crucifixões
e acima de tudo sobre a grande travessia.
Mas as palavras são as lágrimas de quem teria desejado
tanto chorar e não pôde.
São tão amargas as palavras todas,
por isso... deixem-me
passar mudo por entre vocês,
sair à rua de olhos fechados.
de Îm Marea Trecere (A Grande Travessia), 1924
DE PROFUNDIS
Mais um ano, um dia, um instante —
e as vias que via adiante
Somem, de sob meu passo errante.
Mais um ano, um sonho, outro sono —
e sob a terra serei dono
dos ossos que dormem em torno.
de Poezii (Poemas)
MELANCOLIA
Um vento só seca suas lágrimas frias
nas janelas. Chove.
Tristezas vagas me assolam, porém toda
a dor,
que sinto, não sinto, em mim,
no coração,
no peito,
mas sim nas gotas de chuva que escorrem.
E enxertado com minha vida o mundo imenso
com seu outono e sua noite
dói em mim como uma chaga.
Para os montes passam nuvens com úberes
cheios.
E chove.
de Poemele Luminii (Os Poemas da Luz), 1919
NA GRANDE TRAVESSIA
O sol no zênite sustém a balança do dia.
O céu se concede às águas embaixo.
Com olhos ajuizados as bestas na travessia
Observam sem medo suas sombras no leito.
A folhagem se arca profundamente
na direção de toda uma lenda.
Nada, do que é, tenta ser diferente.
Somente meu sangue grita pelos campos
atrás de sua infância longínqua,
como um velho cervo
atrás de sua corça perdida na morte.
Talvez tenha perecido sob os rochedos.
Talvez tenha mergulhado na terra.
Em vão espero notícias suas,
somente ressoam as cavernas,
riachos buscam as profundezas.
Sangue sem resposta,
ah, houvesse silêncio, quão bem se ouviria
a corça calcando a morte.
Ainda mais longe cambaleio pela trilha —
e, como um assassino que sela com um lenço
uma boca vencida,
fecho com o punho todas as fontes.
Que se calem para sempre
para sempre.
de Îm Marea Trecere (A Grande Travessia), 1924
A LUZ DE ONTEM
Procuro, não sei o que procuro. Procuro
um céu passado, a véspera extinta. Meu rosto
vai tão baixo, que antes nos céus ia posto!
Procuro, não sei o que procuro. Procuro
auroras idas, que jorravam, inflamadas
fontes — hoje com águas presas derrotadas.
Procuro, não sei o que procuro. Procuro
a grande hora que em mim restou sem figura
como em um cântaro morto um fim de abertura.
Procuro, não sei o que procuro. Sob estrelas deontem,
sob as que passaram, procuro
a luz apagada que ainda enalteço.
de La cumpăna apelor (No Divisor de Águas), 1933
A SAUDADE
Sedento bebo teu perfume e seguro teu rosto
com ambas as mãos, como quem segura
na alma um milagre.
Queima-nos a proximidade, olhos nos olhos, como estamos.
E contudo me sussurras: "Tenho tanta saudade de ti!"
Falas tão misteriosa e desejosa, como se eu estivesse
exilado em outro mundo.
Mulher.
que mares levas no peito, e quem és?
Canta ainda uma vez mais tua saudade,
por que te ouça
e os instantes me pareçam botões prenhes
de que florescessem de fato... eternidades.
de Poemele Luminii (Os Poemas da Luz), 1919
In A Grande Travessia
Seleção, tradução e introdução de Caetano Waldrigues Galindo
Editora UnB, Brasília, 2005
Há horas, há dias que ando a velar
numa falésia amarela de Portugal.
Com a armadura perto de mim, direito,
com minhas mãos cruzadas no peito.
Cantando plangente olharia sete anos
para o céu com cordeiros lusitanos,
se o desassossego do moinho de vento
não me encontrasse aqui com o meu assento.
Se, sorvido por um astro, eu não perecesse
visto-não visto, no azul celeste.
tradução: Micaela Ghitescu
J'ATTENDS MON CRÉPUSCULE
Voûte étoilée où nage mon regard -
et je sais qu'en mon âme aussi je porte
étoiles en myriades
et voies lactées,
merveilles des ténèbres.
Mais ne puis les voir,
j'ai tant de soleil en moi
que ne puis les voir.
J'attends que se couche mon jour
et que mon horizon ferme ses paupières,
j'attends mon crépuscule, nuit et douleur,
que s'enténèbre mon ciel tout entier
et qu'en moi se lèvent des étoiles,
mes étoiles,
que je n'ai encore
jamais vues.
LE CHAMP
D'or à foison éclatent les grains.
Gouttes rouges de coquelicots éparsement
et dans le champs
une fille
aux cils longs comme épis d'orge.
Elle embrasse du regard gerbes de ciel pur
et elle chante.
Je suis couché à l'ombre des coquelicots,
sans désir, sans rancoeurs, sans remords,
sans élans, juste un corps,
juste un peu de glaise.
Elle chante
et je l'écoute.
Sur ses lèvres chaudes mon âme ouvre sa corolle.
Auto-retrato
Lucian Blaga está mudo como um cisne.
No seu país
a neve da criatura substitui a palavra.
A alma dele anda em busca,
em busca mudo, secular,
desde sempre,
a até aos últimos confins.
Anda em busca da água da qual bebe o arco-íris.
Anda em busca da água
da qual o arco-íris
bebe a beleza e o não-ser.
Paisagem transcendente
Galos apocalípticos estão cantando,
continuamente cantando nas aldeias romenas.
As fontes da noite
abrem os olhos e escutam
as tenebrosas novas.
Pássaros como anjos de água
traz o mar para as ribas.
Na beira - com incenso nos cabelos
Jesus deita sangue por dentro,
deita sangue das sete palavras
da cruz.
De bosques de sono
e outros negros sítios
bichos criados em trovoadas
saem furtivos para beber
àgua morta dos tanques.
Arde como com vagas
a Terra vestida de trigo.
Asas com som de lenda
caem espantadas sobre o rio.
No bosque o vento comencou
a quebrar ramos e raspas de veado.
Sinos ou talvez caixões
cantam sob a erva, aos milhares.
Nós e a Terra
Tantas estrelas caem esta noite.
O demónio da noite parece segurar entre suas mãos a Terra
e soprar sobre ela chispas como se fosse isca,
violentemente, para incendiá-la.
Esta noite, quando tantas
estrelas caem, teu jovem corpo
de feiticeira arde entre os meus braços
como entre chamas de fogueira.
Louco,
estendo meus braços como labaredas,
para derreter a neve de teus ombros desnudados,
e sover-te, consumir-te, faminto,
a força, o sangue, o orgulho, a primavera, tudo.
Na alvorada, quando o dia iluminar a noite,
quando a cinza da noite perecer levanda
pelo vento ao poente,
na alvorada queria sermos nós também
só cinzas, nós e - a Terra.
tradução: Micaela Ghitescu
"Mirabila samanta", ed. Minerva, Bucuresti, 1981
poemas lidos aqui