Victor Matos e Sá
Victor Raúl da Costa Matos, nasceu em Lourenço Marques, no ano de 1926, mas foi em Coimbra - cidade onde se licenciou e doutorou em Filosofia - que passou a maior parte da sua vida. Foi professor catedrático da Faculdade de Letras. Em fevereiro de 1975 foi vitima mortal de um um acidente de viação em Espanha.
Publicou poesia em diversas revistas literárias e colectâneas, sob o pseudónimo de Vítor Matos e Sá. Publicou três livros de poesia em vida (O Horizonte dos Dias, O Silêncio e o Tempo, O Amor Vigilante), muitos dos seus poemas dispersos e numerosos inéditos foram incluídos no livro póstumo Companhia Violenta. A sua obra poética completa foi reunida, em 2000, no livro A Poesia de Vítor Matos e Sá.
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Poder, Amigo
chamar-me irmão na tua dor
já que não o posso ser
na mesma cor;
Ja que um destino diferente
e os anos,
Puseram longas, infinitas margens
entre as nossas vidas
afastadas...
Tu, lá no último Sonho
onde a verdade existe em cada um
como um sangue puro,
como uma lua natural.
E eu
ainda nesta luta
de viver
sofrendo
o mesmo mal.
Este malfeito destino
desde meus sonhos primeiros
de menino;
este mal de chorar sempre
a dor comum dos desgraçados
e ter lágrimas ainda
para os nossos sonhos
destroçados...
Esta mal
só mal para o mundo
a nossa única essência de viver
e contar
diversamente
a mesma eterna agonia...
Este mal que vem a ser
a poesia...
Deixa-me, pois, Amigo
(Diante qualquer noite deserta
em que o silêncio
e a sonolência de tudo
seja para nós
a única porta inteiramente aberta
e o nosso altar)
ficar contigo um só instante,
- apenas o bastante
para te Amar!
E poder, Amigo,
chamar-me irmão da tua dor
já que não o posso ser
na mesma cor...
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É preciso que saibam: este rosto
não está à venda. Há quarenta
e cinco anos que o trago apenas
para dar e receber o espanto
do amor e do tempo, do eco e da rosa
e a violenta companhia
insubstituível do mundo.
Os amigos mortos e sepultados
sob este sorriso, também não estão
à venda – é com eles que entro
na força dos versos em que falo
de nós todos. Estes olhos
já leram Platão (entre outros)
já viram chegar a noite
nas grandes cidades, corpos proibidos
homens e mulheres sem paixão
moribundos face a face com o absurdo
de um tempo já maior de quanto há neles
e casais cumpridores que não gastaram nunca
um tostão de amor a mais.
Já todos dormimos em má companhia
(mesmo se nos limitamos a dormir
inteiramente sós – e até por isso)
Meus prósperos e
devotos irmãos atarefados, deixai-me
em paz. Ou então dêem-me um pouco
de tabaco ou mandem-me
de férias um postal (mesmo
que morra). Um póstumo
postal. E sem remorso.
Já que não se morre apenas
de falta de correspondência...
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12
Começam por ti todos os versos...
...e um dia as aves voarão o céu até aos teu olhos,
as crianças hão-de pisar teu corpo de alegria
com seus risos, seus tácitos encontros com o invisível
e seu secreto esquecimento.
Num chão de cousas desapercebidas
terão passado sobre ti os reinos, as filosofias e os namorados,
E tu repousas, nua, no coração do Silêncio,
como uma estrela dentro do céu
14
Neste curto espaço entre nós e a morte
tão mal gastamos nossa longa despedida!
Tu, amor de quem não sei o nome
de onde não sei a sorte,
vais passar além deste poema que era teu
e assim, de morte construída,
teus passos vão enchendo a minha vida.
Outro nome será flor sobre teus lábios,
e outros dedos tocarão a límpida frescura
dos teus ombros quase d’água
e saberão de cor o horizonte branco do teu corpo...
E assim iremos de olhos futuros,
tu, envelhecendo da minha ausência,
eu, a erguer-te na curva da esperança,
e outra mão vai desmanchar a tua trança
e hei-de beija teu rosto onde não eras
e serás só o que há antes das horas mais tristes.
Neste curto espaço entre nós e a morte,
onde me vais perdendo,
onde te vou buscando,
nosso amor se vai embora alimentando
a despedida;
não porque morra o tempo em teus braços,
mas a vida.
Poemas de Amor, Alma Azul, 2006