Guerra Junqueiro
Abílo Manuel de Guerra Junqueiro nasceu em Freixo de Espada à Cinta. Frequentou a Faculdade de Teologia (1866-1868), que abandonou para se formar em Direito (1868-1873). Colaborou no periódico A Folha. Em 1875 fea parte da direcção da revista Lanterna Mágica (onde surgiu a célebre caricatura de Rafael Bordalo Pinheiro, o «Zé Povinho»). Foi um poeta e um político controverso. Em 1879 foi proibida a representação de uma peça de sua autoria, escrita em parceria com Guilherme de Azevedo, Viagem à Roda da Parvónia.
Em 1880 foi eleito deputado pelo círculo de Quelimane (Moçambique). Em 1890 aderiu ao Partido Republicano e ao movimento de protesto contra a monarquia, desencadeado pelo Ultimato inglês. Em 1907 foi julgado e condenado por causa de um artigo contra o rei D. Carlos. Implantada a República, ocupou, entre 1911 e 1914, o cargo de ministro plenipotenciário de Portugal na Suíça.
Como escritor, estreou-se em 1864, com Duas Páginas dos Catorze Anos. Ligado depois ao grupo dos Vencidos da Vida, veio a ser o mais popular poeta panfletário da sua época. Serviu-se dos seus dotes oratórios para, em textos de sátira violenta, quer ao clero (A Velhice do Padre Eterno, 1885), quer à dinastia de Bragança (Finis Patriae, 1891 e Pátria, 1896). Guerra Junqueiro publicou ainda, A Morte de D. João(1874), A Musa em Férias (1880), Os Simples (1892),Oração ao Pão (1902), Oração à Luz (1904) e Poesias Dispersas (1920). Após a sua morte, surgiu Horas de Combate (1924), que reúne os seus discursos políticos.
Os políticos consideram-me um poeta; os poetas, um político; os católicos julgam-me um ímpio; os ateus, um crente.
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A obra está completa. A máquina flameja,
Desenrolando o fumo em ondas pelo ar.
Mas, antes de partir mandem chamar a Igreja,
Que é preciso que um bispo a venha baptizar.
Como ela é concerteza o fruto de Caím,
A filha da razão, da independência humana,
Botem-lhe na fornalha uns trechos em latim,
E convertam-na à fé Católica Romana.
Devem nela existir diabólicos pecados,
Porque é feita de cobre e ferro; e estes metais
Saem da natureza, ímpios, excomungados,
Como saímos nós dos ventres maternais!
Vamos, esconjurai-lhes o demo que ela encerra,
Extraí a heresia ao aço lampejante!
Ela acaba de vir das forjas d'Inglaterra,
E há-de ser com certeza um pouco protestante.
Para que o monstro corra em férvido galope,
Como um sonho febril, num doido turbilhão,
Além do maquinista é necessário o hissope,
E muita teologia... além de algum carvão.
Atirem-lhe uma hóstia à boca fumarenta,
Preguem-lhe alguns sermões, ensinem-lhe a rezar,
E lancem na caldeira um jorro d'água benta,
Que com água do céu talvez não possa andar.
No meio duma feira, uns poucos palhaços
Andavam a mostrar, em cima dum jumento
Um aborto infeliz, sem mãos, sem pés, sem braços,
Aborto que lhes dava um grande rendimento.
Os magros histriões, hipócritas, devassos,
Exploravam assim a flor do sentimento,
E o monstro arregalava os grandes olhos baços,
Uns olhos sem calor e sem entendimento.
E toda a gente deu esmola aos tais ciganos:
Deram esmolas até mendigos quase nus.
E eu, ao ver esse quadro, apóstolos romanos,
Eu lembrei-me de vós, funâmbulos da cruz,
Que andais pelo universo, há mil e tantos anos,
Exibindo, explorando o corpo de Jesus.
Por debaixo do azul sereno, entre a fragância
Dos mirtos, dos rosais,
Viviam numa doce e numa eterna infância
Nossos primeiros pais.
Seus corpos juvenis, mais alvos do que a Lua,
Mais puros que os diamantes,
Conservavam ainda a virgindade nua
Das coisas ignorantes.
Pôs Deus nesse jardim com sua mão astuta
Ao lado da inocência
A Árvore do Mal que produzia a fruta
Venenosa da ciência.
E, apesar de conter venenos homicidas
E o gérmen do pecado,
Era Deus quem comia à noite, às escondidas,
Esse fruto vedado.
Por isso Jeová tinha ciência infinda;
Tinha um poder secreto,
E Adão que não provara os frutos era ainda
Um anjo analfabeto.
Eva colheu um dia o belo fruto impuro,
O fruto da Razão,
Nesse instante sublime Eva tinha o Futuro
Na palma da sua mão !
O homem, abandonado a submissão covarde,
Viu o fruto e comeu.
Esse fruto é a Luz que a Júpiter mais tarde
Roubará Prometeu.
E ao ver igual a si a estátua que criara,
O homem réprobo e nu,
Jeová exclamou : "Maldita seja a seara
Cuja semente és tu !"
Veio depois a Igreja e repetiu aos crentes
De toda a humanidade:
"Maldito seja sempre o que enterrar os dentes
Nos frutos da verdade !"
A Igreja permitia esse vedado pomo
Somente aos sacerdotes.
Da árvore do mal fugia o mundo, como
Os lobos dos archotes.
Se o sábio que buscava o oiro nas retortas
Ia como um ladrão
Roubar timidamente, à noite, às horas mortas,
Algum fruto do chão,
Tiravam-lhe da boca esse fruto daninho
Duma maneira suave:
Atando-lhe à garganta uma corda de linho
Suspensa duma trave.
Um dia um visionário, alma vertiginosa,
Espírito imortal,
Foi deitar-se, que horror ! à sombra temerosa
Da Árvore do Mal.
A Igreja ao ver aquela intrépida heresia
Lança-lhe excomunhões;
Tomba por terra um fruto ... e Newton descobria
A lei das atracções !
Sacudi, sacudi a árvore maldita,
Que os astros tombarão,
Como se sacudisse a abóboda infinita
Deus com a própria mão !
E quando o mundo inteiro enfim houver comido
Até a saciedade
O fruto que lhe estava há tanto proibido,
O fruto da Verdade,
Homens, dizei então a Jeová : - "Tirano,
Vai-te embora daqui !
Construímos de novo o paraíso humano;
Fizemo-lo sem ti.
Expulsaste do Olimpo a humanidade outrora,
Ó despota feroz;
Pois bem : O Olimpo é nosso, e, Jeová, agora
Expulsamos-te nós !"
lido aqui
As crianças têm medo à noite, às horas mortas,
Do papão que as espera, hediondo, atrás das portas,
Para as levar no bolso ou no capuz dum frade.
Não te rias da infância, ó velha humanidade,
Que tu também tens medo ao bárbaro papão,
Que ruge pela boca enorme do trovão,
Que abençoa os punhais sangrentos dos tiranos,
Um papão que não faz a barba há seis mil anos,
E que mora, segundo os bonzos têm escrito,
Lá em cima, detrás da porta do infinito!
poema encontrado aqui
O melro, eu conheci-o:
Era negro, vibrante, luzidio,
Madrugador, jovial;
Logo de manhã cedo
Começava a soltar, dentre o arvoredo,
Verdadeiras risadas de cristal.
E assim que o padre-cura abria a porta
Que dá para o passal,
Repicando umas finas ironias,
O melro; dentre a horta,
Dizia-lhe: "Bons dias!"
E o velho padre-cura não gostava daquelas cortesias.
O cura era um velhote conservado,
Malicioso, alegre, prazenteiro;
Não tinha pombas brancas no telhado,
Nem rosas no canteiro:
Andava às lebres pelo monte, a pé,
Livre de reumatismos,
Graças a Deus, e graças a Noé.
O melro desprezava os exorcismos
Que o padre lhe dizia:
Cantava, assobiava alegremente;
Até que ultimamente
O velho disse um dia:
"Nada, já não tem jeito!, este ladrão
Dá cabo dos trigais!
Qual seria a razão
Por que Deus fez os melros e os pardais?!"
E o melro entretanto,
Honesto como um santo,
Mal vinha no oriente
A madrugada clara,
Já ele andava jovial, inquieto,
Comendo alegremente, honradamente,
Todos os parasitas da seara
Desde a formiga ao mais pequeno insecto.
E apesar disto, o rude proletário,
O bom trabalhador,
Nunca exigiu aumento de salário.
Que grande tolo o padre confessor!
Foi para a eira o trigo;
E, armando uns espantalhos,
Disse o abade consigo:
"Acabaram-se as penas e os trabalhos."
Mas logo de manhã, maldito espanto!
O abade, inda na cama,
Ouvindo do melro o costumado canto,
Ficou ardendo em chama;
Pega na caçadeira,
Levanta-se dum salto,
E vê o melro, a assobiar, na eira,
Em cima do seu velho chapéu alto!
Chegou a coisa a termo
Que o bom do padre-cura andava enfermo;
Não falava nem ria,
Minado por tão íntimo desgosto;
E o vermelho oleoso do seu rosto
Tornava-se amarelo dia a dia.
E foi tal a paixão, a desventura
(Muito embora o leitor não me acredite),
Que o bom do padre-cura
Perdera … o apetite!
Andando no quintal, um certo dia,
Lendo em voz alta o Velho Testamento,
Enxergou por acaso (que alegria!,
Que ditoso momento!)
Um ninho com seis melros, escondido
Entre uma carvalheira.
E ao vê-los exclamou enfurecido:
"A mãe comeu o fruto proibido;
Esse fruto era minha sementeira:
Era o pão, e era o milho;
Transmitiu-se o pecado.
E, se a mãe não pagou, que pague o filho.
É doutrina da Igreja. Estou vingado!"
E, engaiolando os pobres passaritos,
Soltava exclamações:
"É uma praga. Malditos!
Dão me cabo de tudo esses ladrões!
Raios os partam! Andai lá que enfim…"
E deixando a gaiola pendurada,
Continuou a ler o seu latim,
Fungando uma pitada.
Vinha tombando a noite silenciosa;
E caía por sobre a natureza
Uma serena paz religiosa,
Uma bela tristeza
Harmónica, viril, indefinida.
A luz crepuscular
Infiltra-nos na alma dorida
Um misticismo heróico e salutar.
As árvores, de luz inda douradas,
Sobre os montes longínquos, solitários,
Tinham tomado as formas rendilhadas
Das plantas dos herbários.
Recolhiam-se a casa os lavradores.
Dormiam virginais as coisas mansas:
Os rebanhos e as flores,
As aves e as crianças.
Ia subindo a escada o velho abade;
A sua negra, atlética figura,
Destacava na frouxa claridade,
Como uma nódoa escura.
E, introduzindo a chave no portal,
Murmurou entre dentes:
"Tal e qual… tal e qual!…
Guisados com arroz são excelentes."
Nasceu a Lua. As folhas dos arbustos
Tinham o brilho meigo, aveludado,
Do sorriso dos mártires, dos justos.
Um eflúvio dormente e perfumado
Embebedava as seivas luxuriantes.
Todas as forças vivas da matéria
Murmuravam diálogos gigantes
Pela amplidão etérea.
São precisos silêncios virginais,
Disposições simpáticas, nervosas,
Para ouvir falar estas falas silenciosas
Dos mundos vegetais.
As orvalhadas, frescas espessuras,
Pressentiam-se quase a germinar.
Desmaiavam-se as cândidas verduras
Nos magnetismos brancos do luar.
(…)
E nisto o melro foi direito ao ninho.
Para o agasalhar, andou buscando
Umas penugens doces como arminho,
Um feltrozito acetinado e brando.
Chegou lá, e viu tudo.
Partiu como uma frecha; e, louco e mudo,
Correu por todo o matagal; em vão!
Mas eis que solta de repente um grito
Indo encontrar os filhos na prisão.
"Quem vos meteu aqui?!" O mais velho,
Todo tremente, murmurou então:
"Foi aquele homem negro. Quando veio,
Chamei, chamei… Andavas tu na horta…
Ai que susto, que susto!, ele é tão feio!…
Tive-lhe tanto medo!… Abre esta porta
E esconde-nos debaixo da tua asa!
Olha, já vão florindo as açucenas;
Vamos a construir a nossa casa
Num bonito lugar…
Ai! quem me dera, minha mãe, ter penas
Para voar, voar!"
E o melro alucinado
Clamou:
"Senhor! senhor!
É porventura crime ou é pecado
Que eu tenha muito amor
A estes inocentes?!
Ó natureza, ó Deus, como consentes
Que me roubem assim os meus filhinhos,
Os filhos que eu criei!
Quanta dor, quanto amor, quantos carinhos,
Quanta noite perdida
Nem eu sei…
E tudo, tudo em vão!
Filhos da minha vida
Filhos do coração!!!…
Não bastaria a natureza inteira,
Não bastaria o Céu par voardes,
E prendem-vos assim desta maneira!…
Covardes!
A luz, a luz, o movimento insano,
Eis o aguilhão, a fé que nos abrasa…
Encarcerar a asa
É encarcerar o pensamento humano.
A culpa tive-a eu! Quase à noitinha
Parti, deixei-os sós…
A culpa tive-a eu, a culpa é minha,
De mais ninguém!… Que atroz!
E eu devia sabê-lo!
Eu tinha obrigação de adivinhar…
Remorso eterno! eterno pesadelo!…
(…)
de A Velhice do Padre Eterno
poema enviado por Maria Assunção Nascimento
Falta-me a luz e o ar!… Oh, quem me dera
Ser abutre ou fera
Para partir o cárcere maldito!…
E como a noite é límpida e formosa!
Nem um ai, nem um grito…
Que noite triste!, oh, noite silenciosa!…"
E a natureza fresca, omnipotente,
Sorria castamente
Com o sorriso alegre dos heróis.
Nas sebes orvalhadas,
Entre folhas luzentes como espadas,
Cantavam rouxinóis.
Os vegetais felizes
Mergulhavam as sôfregas raízes
A procurar na terra as seivas boas,
Com a avidez e as raivas tenebrosas
Das pequeninas feras vigorosas
Sugando à noite os peitos das leoas.
A lua triste, a Lua merencória,
Desdémona marmórea,
Rolava pelo azul da imensidade,
Imersa numa luz serena e fria,
Branca como a harmonia,
Pura como a verdade.
E entre a luz do luar e os sons das flores,
Na atonia cruel das grandes dores,
O melro solitário
Jazia inerte, exânime, sereno,
Bem como outrora o Nazareno
Na noite do calvário!…
Segundo o seu costume habitual,
Logo de madrugada
O padre-cura foi para o quintal,
Levando a Bíblia e sobraçando a enxada.
Antes de dizer missa,
O velho abade inevitavelmente
Tratava da hortaliça
E rezava a Deus-Padre Omnipotente
Vários trechos latinos,
Salvando desta forma, juntamente,
As ervilhas, as almas e os pepinos.
E já de longe ia bradando:
"Olé!
Dormiram bem?… Estimo…
Eu lhes darei o mimo,
Canalha vil, grandíssima ralé!
Então vocês, seus almas do Diabo,
Julgam que isto que era só dar cabo
Da horta e do pomar,
E o bico alegre e estômago contente,
E o camelo do cura que se aguente,
Que engrole o seu latim e vá bugiar!…
Grandes larápios! Era o que faltava
Vocês irem ao milho,
E a mim mandar-me à fava!
Pois muito bem, agora que vos pilho
Eu vos ensinarei, meus safardanas!
Vocês são mariolões, são ratazanas,
Têm bico, é certo, mas não têm tonsura…
E, nas manhas, um melro nunca chega
Às manhas naturais de um padre-cura.
O melhor vinho que encontrar na adega
É para hoje, olé!… Que bambochata!
Que petisqueira! Melros com chouriço!…
E então a Fortunata
Que tem um dedo e jeito para isso!…
Hei-de comer-vos todos um a um,
Lambendo os beiços, com tal gana enfim,
Que comendo-vos todos, mesmo assim
Eu fico ainda quase em jejum!
E depois de vos ter dentro da pança,
Depois de vos jantar,
Vocês verão como o velhote dança,
Como ele é melro e sabe assobiar!…"
Mas nisto o padre-cura, titubeante,
Quase desfalecendo,
Atónito de horror, parou diante
Deste drama estupendo:
O melro, ao ver aproximar o abade,
Despertou da atonia,
Lançando-se furioso contra a grade
Do cárcere. Torcia,
Para os partir os ferros da prisão,
Crispando as unhas convulsivamente
Com a fúria dum leão.
Batalha inútil, desespero ardente!
Quebrou as garras, depenou as asas
E alucinado, exangue,
Os olhos como brasas,
Herói febril, a gotejar em sangue,
Partiu num voo arrebatado e louco,
Trazendo, dentro em pouco,
Preso do bico, um ramo de veneno.
E belo e grande e trágico e sereno,
Disse:
"Meus filhos, a existência é boa
Só quando é livre. A liberdade é a lei,
Prende-se a asa mas a alma voa…
Ó filhos, voemos pelo azul!… Comei!" -
E mais sublime do que Cristo, quando
Morreu na Cruz, maior do que Catão,
Matou os quatro filhos, trespassando
Quatro vezes o próprio coração!
Soltou, fitando o abade, uma pungente
Gargalhada de lágrima, de dor,
E partiu pelo espaço heroicamente,
Indo cair, já morto, de repente
Num carcavão com silveiras em flor.
E o velho abade, lívido d'espanto,
Exclamou afinal:
"Tudo o que existe é imaculado e é santo!
Há em toda a miséria o mesmo pranto
E em todo o coração há um grito igual.
Deus semeou d'almas o universo todo.
Tudo que o vive ri e canta e chora …
Tudo foi feito com o mesmo lodo,
Purificado com a mesma aurora.
Ó mistério sagrado da existência,
Só hoje te adivinho,
Ao ver que a alma tem a mesma essência,
Pela dor, pelo amor, pela inocência,
Quer guarde um berço, quer proteja um ninho!
Só hoje sei que em toda a criatura,
Desde a mais bela até à mais impura,
Ou numa pomba ou numa fera brava,
Deus habita, Deus sonha, Deus murmura!…
(…)
Ah, Deus é bem maior do que eu julgava…"
E quedou silencioso. O velho mundo,
Das suas crenças antigas, num momento,
Viu-o sumir exausto, moribundo,
Nos abismos sem fundo
Do temeroso mar do Pensamento.
E chorou e chorou… A Igreja, a Crença,
Rude montanha, pavorosa, escura,
Que enchia o globo com a sombra imensa
Dos seus setenta séculos d'altura;
O Himalaia de dogmas triunfantes,
Mais eternos que o bronze e que o granito,
Onde aos profetas Deus falava dantes,
Entre raios e nuvens trovejantes,
Lá dos confins sidérios do infinito;
Esse colosso enorme, em dois instantes
Viu-o tremer, fender-se e desabar
Numa ruína espantosa,
Só de tocar-lhe a asa vaporosa
Duma avezinha trémula, a expirar!…
(…)
E, arremessando a Bíblia, o velho abade
Murmurou:
"Há mais fé e há mais verdade,
Há mais Deus concerteza
Nos cardos secos dum rochedo nu
Que nessa Bíblia antiga… Ó Natureza,
A única Bíblia verdadeira és tu!..."