Gastão Cruz

Gastão Cruz nasceu a 20 de Julho de 1941 em Faro. Licenciou-se em Filologia Germânica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Foi professor do ensino secundário e leitor de  Português no King's College, da Universidade de Londres.

Como poeta, o seu nome aparece inicialmente ligado à publicação coletiva Poesia 61  uma das principais contribuições para a renovação da linguagem poética portuguesa na década de 60. Como crítico literário, coordenou a revista Outubro e colaborou em vários jornais e revistas ao longo dos anos sessenta - Seara NovaO Tempo e o Modo ou Os Cadernos do Meio-Dia. Essa colaboração foi reunida em volume, com o título A Poesia Portuguesa Hoje (1973), livro que permanece hoje como uma referência para o estudo da poesia portuguesa da década de sessenta.
Gastão Cruz teve um papel importante na divulgaçao, promoção e critica da poesia, do teatro, da literatura em geral e da musica.
Esteve ligado ao teatro e foi um dos fundadores do Grupo de Teatro Hoje  e do Grupo de Teatro de Letras
Traduziu obras de  William Blake, Jean Cocteau, Jude Stéfan e Shakespeare. 

Morreu em Lisboa a 20 de março de 2022.

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Poemas

O tejo em junho

O mês de junho altera a qualidade
variável do tempo o ms descreve
a solução do tempo dsobre as águas

O mês de junho altera o ar convulso
Não é fácil findar quando as exaustas
sementes se avolumam sob as casas

 

A rosa doente

A rosa que adoece
é um leito e um corpo.
Penetrou nela um verme
que em segredo a destr+oi.

É um verme invisível
um insecto da moite.
A vida destruída:
oculto obscuro amor.

 

Teoria da fala

Falávamos tantos anos de tão pouco
entre os campos
do corpo
a fala fende os dentes
o corpo que te ouve ampara
a tua fala

É o úçtimo dia mas que dia
poderia deter assim a boca

Dizíamos ainda que viríamos
ouvir-nos um ao outro
a fala dolorosa encontra os dentes
e olho a tua boca como um corpo

O que depois

O que depois
viera transformara
a lei dos sentimentos e somrnte
em chama
era o corpo da tarde celebrado

Viver foi isto a rapidez dos
dias uma canção trazida
pelas ondas do sangue a esperança
do corpo uma respiração
igual à das estátuas

 

Mar

As vagas irreais deram-me
à praia O mar coerente
envolve-me

e devolve
à paisagem dos sonhos
o meu tempo

 

Água

O esquecimento é um mar inexistente
Naufragat naufragar ah como o
nada
parece real e se enche de correntes
Água corpo do corpo em cada
corda
que prende o pensamento
encerra a mente
náufraga Que a palavra esvaziada

seja o abismo
o espelho que mente
a corrente e a corda sa água que nos
salva

 

Céu

O ceu da noite invade esse teatro
Vais ter de iluminá-lo Estrelas
e lua não Somente caras

voltarão a morrer como num palco
e no céu invasor o dia há-de
espelhar o seu nada

 

Transfiguração

A noite vai voltar ao se começo
corpo entre dois crepúsculos
de novo ameaçado Se alguma coisa peço
é o regresso não á cor do crepúsculo

mortal chama de gesso
mas ao dia real intemporal Esqueço
a minha própria vida esse minúsculo
músculo batendo

como o tempo Se alguma coisa
peçp quando a noite repete
o seu começo

é que a sombra me cubra com a lúgubre
luz selvagem
do dia inexistente

Ramo


Talvez eu não consiga quanto amo
ou amei teu ser dizer, talvez
como num mar que tu não vês
o meu corpo submerso seja o ramo
final que estendo já não sei a quem


em “A moeda do tempo e outros poemas”. Rio de Janeiro: Língua Geral, 2009.

 

1


Há dias em que em ti talvez não pense
a morte mata um pouco a memória dos vivos
é todavia claro e fotográfico o teu rosto
caído não na terra mas no fogo
e se houver dia em que não pense em ti
estarei contigo dentro do vazio



33


Eu vivi nesses anos mas não sei
o que foi por exemplo ter vivido
em mil novecentos e setenta e sete
embora lembre bem a face e o
movimento de cada actor
no palco de cimento,
e o que fora de cena era a alegria
e a dor da minha noite e do meu dia


em “Fogo”. Lisboa: Assírio & Alvim, 2013.

 

Lembrança da ria de Faro


Dunas atrás da casa
gafanhotos cor de
madeira cardos cor de areia
ao fim da tarde,
barcos na água rósea
onde a cidade, em frente à casa, cai
De madeira caiada a
casa está
sobre a areia, que escurece quando
a maré devagar desce na praia


em “Crateras”. Lisboa: Assírio & Alvim, 2000.

 

Ofício

 

Os poemas que não fiz não os fiz porque estava
dando ao meu corpo aquela espécie de alma
que não pôde a poesia nunca dar-lhe

Os poemas que fiz só os fiz porque estava
pedindo ao corpo aquela espécie de alma
que somente a poesia pode dar-lhe

Assim devolve o corpo a poesia
que se confunde com o duro sopro
de quem está vivo e às vezes não respira.

 

O que fez sentido


Reformulamos o amor porém se fórmula
não existia como repeti-la?

É preciso criar um eco ambíguo
que deixe de ser eco e tome a forma

do que viver possa ter sido:
encontraremos restos do sentido

que num instante incerto alguma coisa fez
e nunca poderá ser repetido


em “Escarpas”. Lisboa: Assírio & Alvim, 2010.