Cruzeiro Seixas

Artur Manuel do Cruzeiro Seixas nasceu em Lisboa em 1920. Foi pintor, escultor, ilustrador e poeta. Estudou na Escola Profissional de Arte António Arroio. Depois de um curto período expressionista-neo-realista, ligou-se definitivamente ao surrealismo. Integrou em 1949-50, o grupo “Os surrealistas”, com Mário Cesariny, Carlos Calvé, António Maria Lisboa e Mário Henrique Leiria, entre outros.

Organizou o Museu de Arte de Luanda. Como pintor, participou em exposições a solo e colectivas em Portugal, Espanha, Holanda, Alemanha, Inglaterra, Bélgica, França, E.U.A, Canadá, Brasil e México. Ilustrou o cenário de “O lago dos Cisnes” pela companhia Nacional de Bailado e livros com “Clepsidra” de Camilo Pessanha, editado em 2000 pela Fundação Gulbenkian. Colaborou nas revistas surrealistas Brumes Blondes (Holanda), La Tortue-Lièvre (Canadá), Derrame (Chile) e nas francesas Infosurr, Phases e Ellebore.

Escreveu livros como Eu falo em chamas (Galeria Gilde, 1986), Desaforismos (1989), Vários (edições ASA, 2000) O que a luz oculta (Galeria arte & manifesto, 2000) Viagem sem regresso (Tiragem Limitada, 2001), Obra poética-Volume I (Quasi edições, 2002) Obra poética-Volume II (Quasi edições, 2003 Obra poética-Volume III (Quasi edições, 2005). A Fundação Cupertino de Miranda, publicou em 2004 o livro O surrealismo abrangente, onde divulga a colecção particular doada por  Cruzeiro Seixas.

Viveu os últimos tempos da sua vida na Casa do Artista, em Lisboa.
Morreu no dia 8 de novembro de 2020.

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Poemas

Há um mês navegam no espaço
estes pianos estéreis
pendurados pela cauda uns nos outros
sem remorso
semeando chaves e velhos tecidos de linho
sobre o terreno coberto de cabelos macios
que a electricidade anima.

Os farrapos da cortina tombam
sobre os braços decepados
mas eles voltam como as andorinhas.

Embora as cortinas de fumo persistam
não há qualquer dúvida
mergulham fundo nos números.
De um lado há faróis em Dezembro
e do outro lado
ao fundo da escadaria
há punhais de ouro.  

 

Andam descalços os peixes
circulam dentro do seu mar interior
vestidos de brocados
agitando no ar campainhas de oiro.

Não mais haverá teatro
quando os guindastes
descobrirem o seu próprio sexo
de aço.

Atravessem embora os namorados os aquedutos,
sejam ainda cinzentas as nuvens no ventre das águias
navios líquidos se reproduzirão
por toda parte.
E por sobre as tempestades
navegarão
rumo ao porto mais distante
indestrutíveis palavras sem nexo.

 

obra poética vol. I -quasi 2002

Atravessam os ciprestes
bicicletas
com cidades velozmente antigas
na memória.

Descem as escadas de caracol em mármore
que há por dentro de todos os ciprestes
outras paisagens
tão longas quanto transparentes
e indecifráveis.

A hora indefinida
tem um lago em cada face
e para lá da linha esticadíssima do horizonte
há túmulos esventrados até ao infinito.

As palavras são verdes
e as horas esperam o luar
imitando as fontes.

A tua boca adormeceu
parece um cais muito antigo
à volta da minha boca.

Mas as palavras querem voltar à terra
ao fogo do silêncio que sustém as pontes
perdidas na sua própria sombra.

E há um cão de pedra como um fruto
que nos cobre com o seu uivo
enquanto pássaros de oiro com mãos de marfim
transplantam as árvores transparentes
para o ponto mais fundo do mar.

As lágrimas que não chorei
arrependidas
fazem transbordar a eterna agonia do mar
como um lençol fúnebre
com que tivesse alguém coberto o rosto metafórico
dos cinco continentes que em nós existem.

Assim é ao mesmo tempo
que sou eu e não o sou
aquele relógio das horas de oiro
que além flutua.

 

lido aqui

Nada do que amo me dá o que quero
por isso não amo
nem o amor
nem o sonho
nem a pintura
e os pintores
os heróis e o seu heroísmo,
nem estes meus poemas
copo de água fresca
que mais aumenta a sede.

Amo o que não amo
em todas estas coisas,
e indefinidamente
no fundo de tudo
amo a poesia e os poetas
que dão sempre mais
sempre muito mais
do que peço,
como tu,
mesmo eternamente ausente
meu amor.

poema encontrado aqui