Ana Rita Calmeiro
Ana Rita Calmeiro nasceu em 1977, em Castelo Branco, cidade onde vive. Licenciou-se em Direito na Universidade de Coimbra e exerce advocacia. Escreve poemas e colabora com artigos de opinião na imprensa regional. Tem participado nalguns seminários sobre literatura e poesia para os mais jovens. Escreveu “Os espinhos não têm perfume” (edição própria, 1995) e Luminária, livro de poesia publicado em 2002 pela editora Alma Azul.
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Asa presa
O tormento de te amar é uma asa presa
que me detém num cubo de medo;
medo de que o amor eterno exista,
não caiba nas nossas vidas tão breves
ou não lhes resista.
Enquanto passo
As coisa não acabam
quando as deixo,
mas tudo o que nelas deixo
acaba.
Cada passo dado ao chão
desmorona e esquece
a terra já pisada.
Só enquanto passo existo
depois
sou nada.
O frio
desço o sonho.
Caminho
as pedras os cigarros o asfalto
o chão decomposto do teu calor
partido.
Sempre que anoitece sinto o frio
de nunca te ter dito meu amor.
Saberás
Saberás que penso em ti
porque escrevo um poema
mais forte que o poeta,
um poema que traz o teu nome
escrito a medo
em segredo
com a intensidade de uma quilha
abrindo as asas do sonho.
Saberás que me traí traindo
a promessa de te fingir morto
e que te quis querendo
a lua outra vez a lua e o corpo.
Aladas, as palavras
Tenho a boca cheia de pássaros,
asas em saliva prisioneiras,
doidas por voarem nas palavras
em bandos de poesia à solta
rasgando tímpanos de azul.
A vida
A vida é um fruto maduro
que quero morder até ao caroço
Sorver a sua polpa
e senti-la quente
escorregar-me lenta pelo pescoço.
A essência
A essência do segredo
é o remorso
farpa infectada de castigo
que te vai matando
para morrer contigo.
Nadei ao sol
Dei um mergulho no sol na felicidade,
nadei no incêndio das suas águas
rasgando lume e luz em cada braçada
com braços que eram foices de saudade,
matando distâncias enquanto avançava.
Por amor
Escrevo para não te sentir só.
Tenho medo da tua presença
e a escrita é a flor sintética das palavras
que afagam a doença do amor.
Finjo que não é para ti que escrevo,
quando escrevo;
finjo que não é para ti que vivo,
quando vivo.
Finjo e escrevo e vivo por amor.
Vivo sobre um fio…
Vivo sobre um fio de aranha esticado entre dois mundos paralelos.
Sou esse fio nesse lar de mentira passo os dias entre o presente e o futuro condicional do verbo maior de todos
O verbo que a morte não conjuga
Eu conjugo.
O verbo que me quer fazer um filho sem pecado, de todos os meus filhos o mais amado.
O filho sonho.
Vivo este fio mentira caverna sombra esta lama esta luta esta lâmina aos pulsos da coragem tatuada
Tudo por um grito em que me evada sem a dor que me resta em cada cicatriz.
Levo a minha fauna para a terra dos sonhos. Onde não se coma poesia não posso ser feliz.
de Luminária, Alma Azul, 2002