Alberto Pimenta
Alberto Pimenta nasceu em 1937, no Porto. Após a licenciatura em Germânicas(1960). Esteve longamente auto-exilado por oposição política ao regime do Estado Novo, desde que foi demitido, em 1963, do seu cargo de leitor de Português na Universidade de Heidelberg, mas aí se manteve até 1977, quando finalmente regressou a Portugal.
Entre os seus muitos livros publicados destacam-se obras de poesia e ensaios como: O Labirintodonte (1970), Ascensão de Dez Gostos à Boca e Discurso Sobre o filho-da-Puta (1977), Homo Sapiens(1977), O Silêncio dos Poetas (1978), Bestiário Lusitano(1980), Read & Mad(1984) e Obra Quase Incompleta(1991), A Visita do Papa(1981), A magia que tira os pecados do mundo(1995) e Ode Pós-Moderna(2000), entre muitos outros. Em 1977 encenou, no Jardim Zoológico de Lisboa, a operação "Homo Sapiens" que consistiu na exposição pública do poeta, durante duas horas, na jaula dos Chimpanzés. Mais recente foi a performance "Uma Tarefa para o Ano Vindouro" dividida em duas partes (31/12/1999 e 01/01/2000), também em Lisboa, na Galeria Ler Devagar.
Traduziu, entre outros, Thomas Bernhard e Botho Strauss. Colaborou com Miguel Vale de Almeida e Rui Simões em Pornex: Textos Teóricos e Documentais de Pornografia Experimental Portuguesa (coord. de Leonor Areal e Rui Zink). Foi professor auxiliar convidado da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
Distinguindo na sua obra a mitologia e o seu próprio percurso, Alberto Pimenta reinventa a verdade num estilo simbólico, irreverente e irónico, sem constrangimentos, uma ficção poética surpreendente.
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© Orlando Almeida
artur hipólito morreu com 62 an
os, 20 anos após ter feito 42, mas
na altura quem diria?
heitor fragoso morreu atropelado.
foi levado para o hospital, mas es
queceram-se duma parte do corpo
no local do acidente.
manuel testa morreu sem se ter c
onseguido habituar a este modo
de mal-estar no mundo.
arnaldo rodrigues caiu a um bur
aco da canalização e nunca mais
foi visto.
jeremias cabral pôs termo à exist
ência por motivos desconhecidos.
zeca gomes morreu em defesa da
pátria mas a pensar noutra coisa.
antónio de oliveira morreu igual
a si mesmo: triste sinal dos te
mpos!
bernardo leite pôs-se a pensar na
morte e não conseguiu voltar a
trás.
ivo gouveia tinha uma agência f
unerária e escolheu para si um
caixão representativo.
guilherme silva fechou-se no sót
ão, para morrer num lugar eleva
do.
luís dimas respirava saúde, agora
respira um hálito de eternidade.
antónio garcia, o coveiro, teve u
ma síncope e caiu dentro da cov
a que estava a abrir.
bento nogueira engasgou-se com
um pedaço de carne e desapare
ceu do nosso convívio.
paiva de jesus enforcou-se.
joão baptista viu o cunhado lev
antar-se do caixão e teve uma sí
ncope.
lourenço pinheiro estava a ver a
trovoada e um relâmpago entrou
lhe por um olho e saiu-lhe pelo
outro.
jorge velez de castro finou-se
após uma longa vida de sacrifí
cios, toda dedicada ao bem-comu
m. e foi assim: depois de ter inge
rido o seu sumo de laranja, foi c
onduzido para a cadeira de rep
ouso pelo enfermeiro de confian
ça. nela se conservou, de boca en
treaberta e olhos fechados, até
às onze horas. às onze horas, o e
nfermeiro de confiança aproxim
ou-se com a intenção de o condu
zir ao banho. pondo delicadamen
te a mão nas costas da cadeira,
disse: são horas do banho, senhor
director. como este não desse si
nal de ter ouvido, o enfermeiro
de confiança, com a costumada jo
vialidade, debruçou-se e repetiu:
são horas do banho, senhor direc
tor. posto isto, empurrou a cadei
ra até ao balneário, passou um br
aço pelos rins outro por baixo d
os joelhos do director, e assim o
levou para a água, só então se da
ndo conta de que ele já não vivia.
zé maria, o peidolas, foi expulso
da vida pela autoridade compet
ente.
joão gaspar foi um nobre e val
oroso homem que morreu heroi
camente no campo da honra. p
az à sua alma.
raul santos deitou-se um dia e p
or mais que o sacudissem nunca
mais se levantou.
alfredo penha caiu tão desastrada
mente da cama que nem é possív
el dar pormenores da sua morte.
joaquim perestrelo morreu no me
io da missa, qual quê! ainda a m
issa não ia a metade!
sousa dias morreu de pé, mas en
terraram-no deitado, como toda a
gente.
conheço um poeta
que diz que não sabe se a fome dos outros
é fome de comer
ou se é só fome de sobremesa alheia.
a mim o que me espanta
não é a sua ignorância:
pois estou habituado a que os poetas saibam muito
de si
e pouco ou nada dos outros.
o que me espanta
é a distinção que ele faz:
como se a fome da sobremesa alheia
não fosse
fome de comer
também.
de Obra Quase Incompleta, Fenda, 1990
I
o pequeno filho-da-puta
é sempre
um pequeno filho-da-puta;
mas não há filho-da-puta,
por pequeno que seja,
que não tenha
a sua própria
grandeza,
diz o pequeno filho-da-puta.
no entanto, há
filhos-da-puta
que nascem grandes
e
filhos-da-puta
que nascem pequenos,
diz o pequeno filho-da-puta.
de resto,
os filhos-da-puta
não se medem aos palmos,
diz ainda
o pequeno filho-da-puta.
o pequeno
filho-da-puta
tem uma pequena
visão das coisas
e mostra em
tudo quanto faz
e diz
que é mesmo
o pequeno filho-da-puta.
no entanto,
o pequeno filho-da-puta
tem orgulho em
ser
o pequeno filho-da-puta.
todos
os grandes filhos-da-puta
são reproduções em
ponto grande
do pequeno filho-da-puta,
diz o pequeno filho-da-puta.
dentro do
pequeno filho-da-puta
estão em ideia
todos os grandes filhos-da-puta,
diz o pequeno filho-da-puta.
tudo o que é mau
para o pequeno
é mau
para o grande filho-da-puta,
diz o pequeno filho-da-puta.
o pequeno filho-da-puta
foi concebido
pelo pequeno senhor
à sua imagem e
semelhança,
diz o pequeno filho-da-puta.
é o pequeno
filho-da-puta
que dá ao grande
tudo aquilo de que ele
precisa
para ser o grande filho-da-puta,
diz o pequeno filho-da-puta.
de resto,
o pequeno filho-da-puta vê
com bons olhos
o engrandecimento
do grande filho-da-puta:
o pequeno filho-da-puta
o pequeno senhor
Sujeito Serviçal
Simples Sobejo
ou seja, o pequeno filho-da-puta.
II
o grande filho-da-puta
também sem certos casos começa
por ser
um pequeno filho-da-puta,
e não há filho-da-puta,
por pequeno que seja,
que não possa
vir a ser
um grande filho-da-puta,
diz o grande filho-da-puta.
no entanto, há
filhos-da-puta
que já nascem grandes
e
filhos-da-puta
que nascem pequenos,
diz o grande filho-da-puta.
de resto,
os filhos-da-puta
não se medem aos palmos,
diz ainda
o grande filho-da-puta.
o grande
filho-da-puta
tem uma grande
visão das coisas
e mostra em
tudo quanto faz
e diz
que é mesmo
o grande filho-da-puta.
por isso
o grande filho-da-puta
tem orgulho em
ser
o grande filho-da-puta.
todos
os pequenos filhos-da-puta
são reproduções em
ponto pequeno
do grande filho-da-puta,
diz o grande filho-da-puta.
dentro do
grande filho-da-puta
estão em ideia
todos os
pequenos filhos-da-puta,
diz o grande filho-da-puta.
tudo o que é bom
para o grande
não pode
deixar de ser igualmente bom
para os pequenos filhos-da-puta,
diz o grande filho-da-puta.
o grande filho-da-puta
foi concebido
pelo grande senhor
à sua imagem e
semelhança,
diz o grande filho-da-puta.
é o grande
filho-da-puta
que dá ao pequeno
tudo aquilo de que ele
precisa
para ser o pequeno filho-da-puta,
diz o grande filho-da-puta.
de resto,
o grande filho-da-puta vê
com bons olhos
a multipliccação
do pequeno filho-da-puta:
o grande filho-da-puta
o grande senhor
Santo e Senha
Símbolo Supremo
ou seja, o grande filho-da-puta.
nâo te sentes capaz de entender
o dia de hoje, baby?
espera ele seja o dia de ontem.
nâo te sentes capaz de entender
o dia de ontem, baby?
espera que ele seja o dia de amanhâ.
nâo te sentes capaz de entender
o dia de amanhâ, baby?
espera ele seja o dia de hoje.