Gerrit Kouwenaar

Gerrit Kouwenaar, nasceu em 1923 em Amsterdão. Publicou os primeiros livros clandestinamente, durante a 2ª Guerra Mundial. Depois da guerra trabalhou como jornalista e como tradutor. Traduziu autores como Sartre, Dürrenmatt e Brecht.

Foi um dos impulsionadores do movimento dos Vijftigers (poetas dos anos 50). Kouwenaar defende a autonomia do poema e a transformação das coisas em linguagem pura. Poetry is made of words, not thoughts, or feelings, or whatever else A sua poesia é feita de palavras que simplesmente emocionam.

As suas obras een geur van verbrande veren ('a smell of burnt feathers', 1991) e de tijd staat open ('time is wide open', 1996), tiveram reconhecimento internacional.

Gerrit Kouwenaar morreu no dia 4 de setembro de 2014

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Poemas

Na véspera da paz mandou-nos o nosso omnipotente
pai major a mim e a mais seis para o silêncio
da morte nocturna, rumo
ao inimigo supostamente derrotado

sete batedores na fronteira
de quase tudo: guerra carne vida, caindo
em meio da névoa na armadilha: apenas eu
como por milagre fui poupado

enterraram-se no local
entre eles o meu companheiro inseparável
de quatro anos de trincheira

seis meses mais tarde, já primavera, eu estudava
ciências humanas na cidade, bebia cerveja, comia
bifes, mulheres, veio
o pai dele, disse: você
está vivo, era
companheiro dele, sabe
onde está sepultado, então ajude-me
a desenterrá-lo, é proibido, bem sei, mas é claro
que ele tem de ficar connosco no jardim

que podia eu fazer, fiz, cavei,
desenterrei-o com o pai, reconheci-o
pelo número da plaquinha, ele pendia
desengonçado, tépida massa mole, minha mão
afundou-se no cadáver até ao punho, tão assustada
com a matéria que desastradamente
fez um buraco

após o enterro, ele clandestino na sua própria terra, estava eu
na sala de jantar deles com a mãe a irmã o pai, bebendo
um copinho de lágrimas, conversando
em torno do seu retrato de menino
e contava: íamos juntos agachados, falávamos
em voz baixa acerca de um futuro melhor, fumávamos
juntos um cigarro belga, juntos não suspeitávamos
nenhum perigo / ele era
soldado corajoso, obediente
com dignidade, amava
mozart, wagner a pátria, prestava atenção
ao sussurro das suas árvores / escondi
pouco da sua verdade, só omiti
o indizível putas e pulgas e de que modo
estraçalhávamos como carniceiros

pois é, era primavera no jardim
onde o enterrámos sussurrava
o plátano, árvore fazedora de mãos, no ar
havia algo perfeito, acabado, per-
feito finalmente, até a lua
parecia novinha, sua irmã carnal estava suspensa
dos meus lábios, lá pelo fim de Abril
num corpo apertado, a groselheira
perfumava a terra, a minha mão tocou-lhe
os seios, a minha mão

tocou-lhe os seios e era
a mesma tépida massa mole, a mesma
tépida massa mole, o mesmo material
simplesmente o mesmo, e era
esta mesma mão, esta


tradução: August Willemsen e Egito Gonçalves

lido aqui

It needs to grow
it needs to grow up

these written words
it should be able to speak, in a while

it should be able to read in a book
the thin layer of tissue that covers it now
and give it a name

it needs to grow up, not to
make the world bigger, but
smaller

it should simply have hands
that like a perfect machine
are almost perfect, and a head
that lies down in reflection
when it's gray and it's time

é um dia claro é um mundo escuro
entre a verde erva a carne é vermelha
homens deixam-se vergar por um naco de pão
é um dia escuro é um mundo claro
riem os homens e tudo é possível

percorri o caminho para colher uma maçã
mas no caminho havia uma cobra

a vida é boa mas a vida podia ser melhor
todas essas guerras entre tréguas eternas
todo esse morrer para viver ainda mais
a vida é boa mas a vida podia ser melhor
a carne é dura de roer mas mais tenra que os ossos

percorri o caminho para escapar à morte
mas no caminho havia um homem de ferro

enquanto a boca mastiga o ar rarefaz-se
enquanto o pão se digere a mão invalida-se
enquanto falamos na casa ela incendeia-se algures
é um dia escuro é um mundo escuro
os jornais noticiam como aconteceu e como não acontecerá

percorri o caminho para construir uma cidade
mas projectei torres em subterrâneos

no quadro o mestre-escola escrevia futuro amor e deus
salve a nossa pátria, e eu todo lábios e olhos
imitava-o na lousa
mas lá fora dançava a rapariga tangível
flutuando como se não houvesse leis da gravidade

percorri o caminho para encontrar o caminho
mas atrás do pudim havia um prato vazio


em A Rosa do Mundo – 2001 poemas para o futuro, Assírio & Alvim, 2001

Isto não é bonito
isto não é ilegível
isto não é para crianças

isto não é linguagem cifrada
isto não dignifica o povo

isto é o lado de dentro
da tua porta de fora, isto
deves conhecer: a tua mão
colada ao trinco

no capacho debaixo dos pés
o jornal o semanário o mensário
o anuário

está calor e está a nevar
está a morrer em paz, a letra
comeu tudo, nada
é mentira, nada é passado, nada
foi digerido

em Uma Migalha na Saia do Universo – Antologia da Poesia Neerlandesa do Século Vinte, Assírio & Alvim, 1997