Robert Desnos

Robert Desnos nasceu em Paris em 1900.  Em 1916, abandona os estudos para se dedicar à literatura. Começa por conviver com esccritores como Henri Jeanson, Armand Salacrou, Georges Limbour. Em 1921 conhece André Breton.

Desde 1922 participa nas primeiras actividades do movimento surrealista. A sua escrita inicial é marcada pelo automatismo e pelos jogos verbais. Com ideias que foram consideradas libertinas, viu o seu livro la Liberté ou l'Amour, ser censurado.

Após o seu afastamento do grupo dos surrealistas, a sua escrita torna-se mais lírica e humorística. Trabalhou em cinema, jornalismo e na rádio. Durante a Guerra, participou na resistência e em publicações clandestinas. Em 1944, foi preso pelos alemães. À prisão de Fresnes segue-se a deportação e a passagem por diversos campos de concentração: Auschwitz, Buchenwald, Flossenburg, Floa e por último Terezin, na Checoslováquia, onde acabou por morrer, no dia 8 de Junho de 1945, alguns dias antes da vitória dos aliados.

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Poemas

O Capitão Jonathan,
Com a idade de dezoito anos,
Captura, um dia, um pelicano
Em uma ilha do Extremo Oriente.
O pelicano de Jonathan,
Na manhã, põe um ovo totalmente branco
E desse ovo sai um pelicano
Que se parece espantosamente com o primeiro pelicano.
E o segundo pelicano
Põe, por sua vez, um ovo também branco
De onde sai, inevitavelmente,
Um outro do mesmo jeito.
Isto pode durar muito tempo
Se, antes, não for feita uma omelete.

A Formiga

Uma formiga de dezoito metros
com um chapéu de extravagante aspecto,
ah não existe, não existe não.
Uma formiga à frente de um patim
cheio de patos e de pinguins,
ah não existe, não existe não.
Uma formiga que fale português,
que fale latim, que fale francês,
ah não existe não, não existe não.
Ah sim? E por que não?

de Robert Desnos - Antologia Poética, Editorial Estampa.

Assim como a mão no instante da morte e do naufrágio se ergue como os raios do pôr do sol, assim de toda a parte jorra o teu olhar.
Já não é tempo, já não é talvez tempo de me ver,
Mas a folha que cai e a roda que gira dir-te-ão que nada é perpétuo sobre a terra,
Salvo o amor,
E disso me quero convencer.
Dos navios de salvamento pintados com avermelhadas cores,
Das trovoadas que fogem,
Uma valsa antiga que arrastam o tempo e o vento durante os longos espaços do céu.
Paisagens.
Eu, não quero outras senão o abraço a que aspiro,
E que morra o canto do galo.
Como a mão que no instante da morte se crispa, o meu coração se aperta.
Nunca chorei desde que te conheço.
Amo de mais o meu amor para chorar.
Chorarás sobre a minha campa,
Ou eu sobre a tua.
Não será tarde de mais.
E mentirei. Direi que foste minha amante
Ou na verdade tudo é tão inútil,
Tu e eu morreremos em breve.

Tradução: Filipe Jarro

de Rosa do Mundo-2001 Poemas para o Futuro, Assírio & Alvim, 2001

Le dernier poème

J'ai rêvé tellement fort de toi,
J'ai tellement marché, tellement parlé,
Tellement aimé ton ombre,
Qu'il ne me reste plus rien de toi,
Il me reste d'être l'ombre parmi les ombres
D'être cent fois plus ombre que l'ombre
D'être l'ombre qui viendra et reviendra
dans ta vie ensoleillée.

 

de Domaine public, 1953

Último poema

Sonhei tanto contigo,
Caminhei tanto, falei tanto
Amei tanto a tua sombra,
Que nada me resta já de ti.
Resta-me ser sombra entre as sombras
Ser cem vezes mais sombra que a sombra
Ser a sombra que virá e voltará
Na tua vida cheia de sol.

 

Tradução: Amélia Pais e Teresa Sobral Cunha

Ce coeur qui haïssait la guerre

Ce coeur qui haïssait la guerre
voilà qu'il bat pour le combat et la bataille !
Ce coeur qui ne battait qu'au rythme des marées, à celui des saisons,
à celui des heures du jour et de la nuit,
Voilà qu'il se gonfle et qu'il envoie dans les veines
un sang brûlant de salpêtre et de haine.
Et qu'il mène un tel bruit dans la cervelle que les oreilles en sifflent
Et qu'il n'est pas possible que ce bruit ne se répande pas dans la ville et la campagne
Comme le son d'une cloche appelant à l'émeute et au combat.
Écoutez, je l'entends qui me revient renvoyé par les échos.

Mais non, c'est le bruit d'autres coeurs, de millions d'autres coeurs
battant comme le mien à travers la France.
Ils battent au même rythme pour la même besogne tous ces coeurs,
Leur bruit est celui de la mer à l'assaut des falaises
Et tout ce sang porte dans des millions de cervelles un même mot d'ordre :
Révolte contre Hitler et mort à ses partisans !
Pourtant ce coeur haïssait la guerre et battait au rythme des saisons,
Mais un seul mot : Liberté a suffi à réveiller les vieilles colères
Et des millions de Francais se préparent dans l'ombre
à la besogne que l'aube proche leur imposera.
Car ces coeurs qui haïssaient la guerre battaient pour la liberté
au rythme même des saisons et des marées,
du jour et de la nuit.

de Domaine Public, Poésie/Gallimard

Este coração que odiava a guerra

Este coração que odiava ag uerra
agora pulsa  pelo combate e pela batalha!
Este coração que apenas batia ao ritmo das marés e das estações
ao ritmo das horas do dia e da noite,
Eis que agora incha e lança nas veias
um sangue fervente de salitre e de ódio.
E que invade o cérebro com tal barulho que os ouvidos apitam
E que é impossível este barulho não se espalhar na cidade e no campo
Como as badaladas dum sino apelando à revolta e ao combate.
Escutem, ainda ouço o som que me é devolvido pelos ecos.


Mas não, é o barulho de outros corações, de milhares de outros corações
a bater como o meu por toda a França.
Todos estes corações pulsam ao mesmo ritmo pela mesma tarefa.
O seu barulho é o do mar a embater nas falésias
E todo este sangue transmite a milhões de cérebros a mesma palavra de ordem:
Revolta contra Hitler e morte aos seus partidários !
No entanto este coração odiava a guerra e batia ao ritmo das estações.
Mas bastou uma palavra: Liberdade, para que despertassem ódios antigos
E milhões de franceses começam a preparar-se na escuridão
para o trabalho que a próxima alvorada lhes vai impôr.
Porque estes corações que odiavam a guerra batem agora pela liberdade
ao ritmo próprio das estações e das marés,
do dia e da noite.