Arthur Rimbaud

Jean Arthur Rimbaud nasceu em  Charlesville, França, em 1854. Poeta francês da escola simbolista, começou a escrever versos aos 10 anos. A sua obra foi profundamente influenciada por Baudelair. Paul Verlaine, impressionado pela sua poesia, convenceu o jovem poeta a mudar-se para París.  Entre os dois, surgiu uma amizade profunda posteriormente transformada numa relação instável e atormentada que durou 11 anos (1872 a 1873).

Viajaram juntos por Inglaterra e pela Bélgica. Neste último país, Verlaine tentou matar Rimbaud duas vezes por ciúme. Na segunda tentiva, Rimbaud ficou bastante ferido e  Verlaine foi preso. Rimbaud escreveu uma alegoria sobre este asunto, Une saison en efer (1873).

Quando saíu do hospital viajou pela Europa, dedicou-se ao comércio no Norte de África e viveu em Harar e Shoa, na Abisinia central. Verlaine, convencido de que Rimbaud estava morto, publicou alguns dos seus poemas em Les Illuminations (1886).  En 1891 Rimbaud regressou a França com um tumor no joelho, acabando por morrer no hospital de Marsella en Novembro desse mesmo ano.

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Poemas

A noir, E blanc, I rouge, U vert, O bleu : voyelles,

Je dirai quelque jour vos naissances latentes :
A, noir corset velu des mouches éclatantes
Qui bombinent autour des puanteurs cruelles,

Golfes d'ombre ;E, candeur des vapeurs et des tentes,
Lances des glaciers fiers, rois blancs, frissons d'ombrelles ;
I, pourpres, sang craché, rire des lèvres belles
Dans la colère ou les ivresses pénitentes ;

U, cycles, vibrement divins des mers virides,
Paix des pâtis semés d'animaux, paix des rides
Que l'alchimie imprime aux grands fronts studieux ;

O, suprême Clairon plein des strideurs étranges,
Silence traversés des Mondes et des Anges :
- O l'Oméga, rayon violet de Ses yeux !

L'étoile a pleuré rose au coeur de tes oreilles,
L'infini roulé blanc de ta nuque à tes reins
La mer a perlé rousse à tes mammes vermeilles
Et l'Homme saigné noir à ton flanc souverain.

ler a versão em português de Jorge Vilhena Mesquita 

I

Sur l'onde calme et noire où dorment les étoiles
La blanche Ophélia flotte comme un grand lys,
Flotte très lentement, couchée en ses longs voiles...
- On entend dans les bois lointains des hallalis.

Voici plus de mille ans que la triste Ophélie
Passe, fantôme blanc, sur le long fleuve noir,
Voici plus de mille ans que sa douce folie
Murmure sa romance à la brise du soir.

Le vent baise ses seins et déploie en corolle
Ses grands voiles bercés mollement par les eaux ;
Les saules frissonnants pleurent sur son épaule,
Sur son grand front rêveur s'inclinent les roseaux.

Les nénuphars froissés soupirent autour d'elle ;
Elle éveille parfois, dans un aune qui dort,
Quelque nid, d'où s'échappe un petit frisson d'aile :
- Un chant mystérieux tombe des astres d'or.

II

O pâle Ophélia ! belle comme la neige !
Oui tu mourus, enfant, par un fleuve emporté !
C'est que les vents tombant des grand monts de Norwège
T'avaient parlé tout bas de l'âpre liberté ;

C'est qu'un souffle, tordant ta grande chevelure,
A ton esprit rêveur portait d'étranges bruits ;
Que ton coeur écoutait le chant de la Nature
Dans les plaintes de l'arbre et les soupirs des nuits ;

C'est que la voix des mers folles, immense râle,
Brisait ton sein d'enfant, trop humain et trop doux ;
C'est qu'un matin d'avril, un beau cavalier pâle,
Un pauvre fou, s'assit muet à tes genoux !

Ciel ! Amour ! Liberté ! Quel rêve, ô pauvre Folle !
Tu te fondais à lui comme une neige au feu :
Tes grandes visions étranglaient ta parole
- Et l'Infini terrible effara ton œil bleu !

III

- Et le Poète dit qu'aux rayons des étoiles
Tu viens chercher, la nuit, les fleurs que tu cueillis ;
Et qu'il a vu sur l'eau, couchée en ses longs voiles,
La blanche Ophélia flotter, comme un grand lys.

Lá ia eu com as mãos em meus bolsos furados;
O paletó também se tornara irreal;
E sob aquele céu, Musa! eu era teu vassalo;
E imaginava amores nunca imaginados!

Nas calças um buraco e eu só tinha aquelas.
- Pequeno Polegar das rimas, sonhador,
Instalei meu albergue na Ursa Maior.
- Lá no céu o frufru de seda das estrelas...

Eu as ouvia, sentado à beira das estradas,
nas noites boas de setembro, quando o orvalho
revigorava-me a fronte como um vinho;

E em meio às sombras fantásticas, então,
dedilhava, como se fossem lira, os elásticos
de meus sapatos, o pé junto do coração!

 

tradução: Ferreira Gullar

L'hiver, nous irons dans un petit wagon rose
Avec des coussins bleus.
Nous serons bien. Un nid de baisers fous repose
Dans chaque coin moelleux.

Tu fermeras l'oeil, pour ne point voir, par la glace,
Grimacer les ombres des soirs,
Ces monstruosités hargneuses, populace
De démons noirs et de loups noirs.

Puis tu te sentiras la joue égratignée...
Un petit baiser, comme une folle araignée,
Te courra par le cou...

Et tu me diras : « Cherche ! » en inclinant la tête,
— Et nous prendrons du temps à trouver cette bête
— Qui voyage beaucoup...

O movimento de vaivém contra as arribas das quedas de água no rio
O remoinho no cadaste da popa
A celebridade da rampa
O enorme volume da corrente
Levam sob a luz inaudita
E a surpresa química
Os viajantes cercados pelas trombas de água do vale
E do strom.
São os conquistadores do mundo
Procurando a fortuna química pessoal;
O desporto e o conforto viajam com eles;
Vai com eles a educação
Das raças, das classes e dos bichos, sobre este barco
Repouso e vertigem
Sob a luz diluviana
De terríveis tardes de estudo.
Pois nas conversações entre a aparellhagem, o sangue, as flores, o fogo, as jóias,
Nos ansiosos cálculos estabelecidos a bordo
-- Vemos, rolando como um dique frente à rota hidráulica motora,
Monstruoso, brilhando sem fim -- o seu stock de estudos;
Enquanto se entregam ao êxtase harmónico
E ao heroísmo da descoberta.
Dado aos mais surpreendentes acidentes atmosféricos
Um par jovem isola-se sobre a barca
-- É antiga barbárie que perdoam? --
E coloca-se e canta.

 

tradução: Mário cesariny

em Iluminações / Uma cerveja no inferno, tradução, prefácio e notas de Mário Cesariny, Estúdios Cor, 1972

Talvez Ela me faça perdoar as ambições continuamente esmagadas, - que um fim azado repare os tempos de indigência, - que um dia de êxito nos adormeça sobre a vergonha de nossa fatal inabilidade,

(Ó palmas! diamante! - Amor, força! - mais alto que todas as alegrias e glórias! - de qualquer modo, em toda parte, - Demônio, deus, - Juventude deste ser que sou eu!)

Que os acidentes da magia científica e os movimentos de fraternidade social sejam apreciados como a restituição progressiva da liberdade primeva?...

Mas a Vampira que nos faz gentis ordena que nos divirtamos com o quanto nos deixa, ou então que sejamos ainda mais palermas.

Rolar nas feridas, no ar exausto e no mar; nos suplícios, pelo silêncio das águas e do ar assassinos; nas torturas que riem, em seu silêncio atrozmente encrespado.

 

lido aqui

Un souffle ouvre des brèches opéradiques dans les cloisons,

— brouille le pivotement des toits rongés, — disperse les limites des foyers, — éclipse les croisées. — Le long de la vigne, m'étant appuyé du pied à une gargouille, — je suis descendu dans ce carrosse dont l'époque est assez indiquée par les glaces convexes, les panneaux bombés et les sophas contournés — Corbillard de mon sommeil, isolé, maison de berger de ma niaiserie, le véhicule vire sur le gazon de la grande route effacée ; et dans un défaut en haut de la glace de droite tournoient les blêmes figures lunaires, feuilles, seins ; — Un vert et un bleu très foncés envahissent l'image. Dételage aux environs d'une tache de gravier. 
     — Ici, va-t-on siffler pour l'orage, et les Sodomes, — et les Solymes, — et les bêtes féroces et les armées, 
     — (Postillon et bêtes de songe reprendront-ils sous les plus suffocantes futaies, pour m'enfoncer jusqu'aux yeux dans la source de soie).
     — Et nous envoyer, fouettés à travers les eaux clapotantes et les boissons répandues, rouler sur l'aboi des dogues...
     — Un souffle disperse les limites du foyer.

***

O vento abre fendas operádicas nos tabiques, - verga os telhados carcomidos, dispersa os limites do lar, eclipsa as janelas.
   Ao longo da vinha, tendo apoiado o pé numa gárgula, salto para este coche cuja época está bem caracterizada pelos espelhos convexos, os painéis abaulados e os sofás pregueados. Carro funerário do meu sono, isolado, cabana de pastor do meu nada, o veículo guina sôbre a relva da estrada real desaparecida. Numa falha no alto do espêlho à direita turbilhonam lívidos rostos lunares, folhas, seios.
   Um verde e um azul muito escuros invadem a imagem. Desatrelagem junto à mancha branca de um monte de areia.
   - Aqui vão assobiar à tempestade, às Sodomas e às Solimas, aos animais ferozes e às armadas.
   - (Postilhões e feras de pesadêlo recomeçarão, sob as mais sufocantes tapadas, para me afundarem até aos olhos na fonte de seda.)
   - Para que nos mandem, a chicote através das águas encapeladas e das bebidas esparsas, rolar sôbre o uivar dos mastins...
   - Um sopro dispersa os limites do lar.

tradução: Mário Cesariny

A mim. A história de mais uma das minhas loucuras. De há muito que me gabo de possuir todas as paisagens possíveis e que acho ridículas as celebridades da pintura e da poesia moderna.

Amei pinturas idiotas, vãos de portas, bugigangas, panos de saltimbancos, estandartes, estampas baratas, literatura fora de moda, latim eclesiástico, livros eróticos sem caligrafia, romances antigos, contos de fadas, contos para crianças, velhas óperas, refrões ingénuos, ritmos simplicíssimos.

Sonhei com cruzadas, com viagens de descobrimento das quais não existiam relatos, repúblicas sem histórias, guerras de religião sufocadas, revoluções de costumes, movimentos de raças e de continentes: acreditei pois em todas as magias.

Inventei a cor das vogais! - A negro, E branco, I vermelho, O azul, U verde - Determinei a forma e o movimento de cada consoante, e, com ritmos instintivos, procurei inventar um verbo poético acessível, custe o que custar, a todos os sentidos. Guardei a tradução.

Era acima de tudo um esboço. Escrevi os silêncios, as noites. Anotei o indizível. Firmei vertigens

 

tradução: Rui Bebiano

O vento abençoou minhas manhãs marítimas.
Mais leve que uma rolha eu dancei nos lençóis
Das ondas a rolar atrás de suas vítimas,
Dez noites, sem pensar nos olhos dos faróis!

Mais doce que as maçãs parecem aos pequenos,
A água verde infiltrou-se no meu casco ao léu
E das manchas azulejantes dos venenos
E vinhos me lavou, livre de leme e arpéu.

Então eu mergulhei nas águas do poema
Do Mar, sarcófago de estrelas, latescente,
Devorando os azuis, onde às vezes - dilema
Lívido - um afogado afunda lentamente;

Onde, tingindo azulidades com quebrantos
E ritmos lentos sob o rutilante albor,
Mais fortes que o álcool, mas vastas que os nossos prantos,
Fermentam de amargura as rubéolas do amor!

Conheço os céus crivados de clarões, as trombas,
Ressacas e marés: conheço o entardecer,
A aurora em explosão como um bando de pombas,
E algumas vezes vi o que o homem quis ver!

Eu vi o sol baixar, sujo de horrores místicos,
Iluminando os longos túmulos glaciais;
Com atrizes senis em palcos cabalísticos,
Ondas rolando ao longe os frémitos de umbrais!

Sonhei que a noite verde em neves alvacentas
Beijava, lenta, o olhar dos mares com mil coros,
Soube a circulação das seivas suculentas
E o acordar louro e azul dos fósforos canoros!

Por meses eu segui, tropel de vacarias
Histéricas, o mar estuprando as areias,
Sem esperar que aos pés de ouro das Marias
Esmorecesse o ardor dos Oceanos sem peias.

Cheguei a visitar as Flóridas perdidas
Com olhos de jaguar florindo em epidermes
De homens! Arco-íris tensos como bridas
No horizonte do mar de glaucos paquidermes.

Vi fermentarem pântanos imensos, ansas
Onde apodrecem Liviatãs distantes!
O desmoronamento da água nas bonanças
E abismos a se abrir no caos, cataratantes!

Geleiras, sóis de prata, ondas e céus cadentes!
Naufrágios abissais na tumba dos negrumes,
Onde, pasto de insectos, tombam as serpentes
Dos curvos cipoais, com pérfidos perfumes!

Ah! Se as crianças vissem o dourar das ondas,
Áureos peixes do mar azul, peixes cantantes...
- Espumas em flor ninaram minhas rondas
E as brisas da ilusão me alaram por instantes.

Mártir de pólos e de zonas misteriosas,
O mar a soluçar cobria os meus artelhos
Com flores fantasmais de pálidas ventosas
E eu, como uma mulher, me punha de joelhos...

Quase ilha a balouçar entre borras e brados
De gralhas tagarelas com olhar de gelo,
Eu vogava, e por minha rede os afogados
Passavam, a dormir, descendo a contrapelo.

Mas eu, barco perdido em baías e danças,
Lançado no ar sem pássaros pela torrente,
De quem os Monitores e os arpões das Hansas
Não teriam pescado o casco de água ardente;

Livre, fumando em meio às virações inquietas,
Eu que furava o céu violáceo como um muro
Que mancham, acepipe raro aos bons poetas,
Líquens de sol e vómitos de azul escuro;

Prancha louca a correr em lúnulas e faíscas
E hipocampos de breu, numa escolta de espuma,
Quando os sóis estivais estilhaçavam em riscas
O céu ultramarino e seus funis de bruma;

Eu que tremia ouvindo, ao longe a estertorar,
O cio dos Behemóts e dos Maeltroms febris,
Fiandeiro sem fim dos marasmos do mar,
Anseio pela Europa e os velhos peitoris!

Eu vi os arquipélagos astrais! e as ilhas
Que o delírio dos céus desvela ao viajor;
- É nas noites sem cor que te esqueces e te ilhas,
Milhão de aves de ouro, ó futuro Vigor?

Sim, chorar eu chorei! São mornas as Auroras!
Toda lua é cruel e todo sol, engano:
O amargo amor opiou de ócios minhas horas.
Ah! que esta quilha rompa! Ah! que me engula o oceano!

Da Europa a água que eu quero é só o charco
Negro e gelado onde, ao crepúsculo violeta,
Um menino tristonho arremesse o seu barco
Trémulo como a asa de uma borboleta.

No meu torpor, não posso, ó vagas, as esteiras
Ultrapassar das naves cheias de algodões,
Nem vencer a altivez das velas e bandeiras,
Nem navegar sob o olho torvo dos pontões.

 

tradução: Augusto de Campos

 

Esta cerveja! essa rua!
A miséria que isto sua!
Mas trago o curso perfeito
Da ventura, dentro do peito.
Saudemo-lo cada vez
Que cantar o galo gaulês.
Ah, é tarefa cumprida:
Está dono da minha vida.
Levou-me alma, corpo, escorços
E dispensa-me de esforços.
Esta cerveja! essa rua!
A hora da fuga, ó sorte,
Será a hora da morte.
Esta cerveja! essa rua!

 

versão: Mário Cesariny

iluminações, uma cerveja no inferno, Assírio &Alvim, 1999

lido aqui

Sou um efémero e não excessivamente descontente cidadão duma metrópole que julgam moderna porque foi evitada toda a estereotipia no mobiliário e na fachada das casas, como no plano geral da cidade. Aqui não ficou rasto de nenhum monumento de superstição. A moral e a língua enfim reduzidas à sua expressão mais simples! Estes milhões de pessoas que não tem qualquer necessidade de se conhecerem, levam com tal paralelismo a educação, a profissão e a velhice, que o seu tempo de vida deve ser muitas vezes inferior àquele que uma estatística louca encontrou para os povos do continente. Tal como, desde a minha janela, vejo novos fantasmas deslizando pelo espesso e contínuo fumo de carvão, - nossa sobra campestre, nossa noite de estio! – novas Erínias diante do cotage que é toda a minha pátria e todo o afecto, já que tudo aqui é igual a si mesmo, - uma Morte sem lágrimas, nossa activa filha e criada, um amor desesperado e um lindo Crime ganindo na lama da rua.

 

tradução:Mário Cesariny

Iluminações, Assírio & Alvim, 1999

lido aqui 

No bosque há uma ave, o seu canto detém-vos e faz-vos corar.
Há um relógio que não toca.
Há uma lixeira com um ninho de bichos brancos.
Há uma catedral que desce e um lago que sobe.
Há um carrinho abandonado nas moitas, ou descendo a vereda em correria, engalanado.
Há uma troupe de cómicos, com os seus fatos, visíveis na estrada através da orla do bosque.
Há enfim, quando tens fome e sede, alguém que te enxota.

 

tradução: Mário Cesariny

de Iluminações / Uma Cerveja no Inferno, Assírio & Alvim,1999

lido aqui 

a estrela choveu rosa no coração da tua escuta,
o infinito rolou alvo no teu corpo, da nuca aos rins,
o mar orvalhou ruivo os teus seios de rubro cobre
e o homem sangrou negro no teu flanco sem fim.

 

tradução: Gabriela Llansol