Antonin Artaud
Antonin Artaud, nasceu em 1896, em Marselha. Escritor, actor, dramaturgo, poeta maldito e visionário, atormentado, louco, sensível e romântico, era um homem solitário com uma mente perturbada. Desde cedo foi atormentado por problemas de saúde. Aos 15 anos começou a tomar ópio para aliviar as suas terríveis dores de cabeça nevrálgicas e aos 24 anos estava viciado. Teve muitas crises de loucura e depressão. Passou quase dez anos da sua vida internado em manicómios.
Em 1920 conheceu o Poeta Max Jacob e posteriormente André breton tendo-se aproximado do Movimento Surrealista. Publicou os seus primeiros poemas sob o título Tric Trac du Ciel , em 1924. Em 1931, as suas ideias sobre o teatro começaram a tomar forma em torno da teoria do teatro da crueldade - um teatro onde não haveria nenhuma distância entre actor e espectador, todos seriam actores e todos fariam parte do processo, ao mesmo tempo. Queria devolver ao teatro a mágica e o poder do contágio. Queria que as pessoas despertassem para o fervor, para o êxtase. Sem diálogo, sem análise. Uma vez abolido o palco, o ritual ocuparia o centro da plateia.
Em 1936 fez uma viagem ao México onde viveu com os índios tarahumaras. Regressou a França um ano depois e quase de seguida foi para a Irlanda, onde se entregou a experiências místicas que o conduziram a uma vida marginal, acabando por ser deportado de Dublin.
Artaud influenciou toda a contra-cultura dos anos 60. O seu trabalho incluí poemas em prosa e verso, roteiros de cinema, diversas peças de teatro, uma ópera, ensaios sobre cinema, pintura e literatura, notas e manifestos polémicos sobre teatro, notas sobre projectos não realizados, um monólogo dramático escrito para rádio, ensaios sobre o ritual do peyote entre os índios tarahumara e centenas de cartas que são a sua forma mais dramática de expressão. As suas obras “ O Teatro e o seu Duplo” e "Van Gogh: O Suicidado Pela Sociedade” são das mais conhecidas.
Antonin Artaud morreu em 1948, na clínica de Ivry. Foi encontrado no seu quarto, aos pés da cama, com um sapato na mão. Versões para sua morte: cancro do recto (a oficial), intoxicação com heroína e morfina ou suicídio.
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Quem sou?
De onde venho?
Eu sou o Antonin Artaud
e basta dizê-lo
como sei dizê-lo,
imediatamente
vereis o meu corpo actual
voar em estilhaços
e em dois mil aspectos notórios
refazer
um novo corpo
onde nunca mais
podereis
esquecer-me.
Eu, Antonin Artaud, sou meu filho,
meu pai,
minha mãe,
e eu mesmo.
Eu represento Antonin Artaud!
Estou sempre morto.
Mas um vivo morto,
Um morto vivo.
Sou um morto
Sempre vivo.
A tragédia em cena já não me basta.
Quero transportá-la para minha vida.
Eu represento totalmente a minha vida.
Onde as pessoas procuram criar obras
de arte, eu pretendo mostrar o meu
espírito.
Não concebo uma obra de arte
dissociada da vida.
Eu, o senhor Antonin Artaud,
nascido em Marseille
no dia 4 de setembro de 1896,
eu sou Satã e eu sou Deus,
e pouco me importa a Virgem Maria.
1ª estrofe tradução de: Aníbal Fernades
publicada em Eu, Antonin Artaud, Hiena, 1988
Passei 9 anos num asilo de alienados.
Fizeram-me ali uma medicina que nunca deixou de me revoltar.
Essa medicina chama-se electrochoque, consiste em meter
o paciente num banho de electricidade, fulminá-lo
e pô-lo bem esfolado a nu
e expor-lhe o corpo tão externo como interno à passagem
de uma corrente
que vem do lugar onde se não está nem deveria estar para lá
estar.
O electrochoque é uma corrente que eles arranjam sei lá
como,
que deixa o corpo,
o corpo sonâmbulo interno,
estacionário
para ficar sob a alçada da lei
arbitrária do ser,
em estado de morte
por paragem do coração.
lido aqui
Os sentimentos atrasam,
as paixões atrasam,
as instituições atrasam,
está tudo a mais, nesse demais sempre a pesar sobre a existência, ela própria uma ideia a mais,
filósofos, sábios, médicos, padres, pouco a pouco, de mansinho e brutalmente, têm-nos feito esta vida falsa
porque não há profundidade nas coisas, não há além, nem mais voragem do que a que formos capazes de lá pôr
já,
sem ideia nem entidade,
sem imanência nem instância,
nada me espera para me pedir contas,
mas eu tenho contas a pedir a alguns ignóbeis
velhos labregos da doutrina,
contas a pedir por retardarem a vida com os seus sentimentos, paixões, instituições.
(...)
tradução: Ernesto Sampaio
de Os Sentimentos Atrasam, Hiena, 1993.
Una sensación de quemadura ácida en los miembros, músculos retorcidos e incendiados, el sentimiento de ser un vidrio frágil, un miedo, una retracción ante el movimiento y el ruido. Un inconsciente desarreglo al andar, en los gestos, en los movimientos. Una voluntad tendida en perpetuidad para los más simples gestos, la renuncia al gesto simple, una fatiga sorprendente y central, una suerte de fatiga aspirante. Los movimientos a rehacer, una suerte de fatiga mortal, de fatiga espiritual en la más simple tensión muscular, el gesto de tomar, de prenderse inconscientemente a cualquier cosa, sostenida por una voluntad aplicada.
Una fatiga de principio del mundo, la sensación de estar cargando el cuerpo, un sentimiento de increíble fragilidad, que se transforma en rompiente dolor, un estado de entorpecimiento doloroso, de entorpecimiento localizado en la piel, que no prohíbe ningún movimiento, pero que cambia el sentimiento interno de un miembro, y a la simple posición vertical le otorga el premio de un esfuerzo victorioso. Localizado probablemente en la piel, pero sentido como la supresión radical de un miembro y presentando al cerebro sólo imágenes de miembros filiformes y algodonosos, lejanas imágenes de miembros nunca en su sitio.
La suerte de ruptura interna de la correspondencia de todos los nervios. Un vértigo en movimiento, una especie de caída oblicua acompañando cualquier esfuerzo, una coagulación de calor que encierra toda la extensión del cráneo, o se rompe a pedazos, placas de calor nunca quietas. Una exacerbación dolorosa del cráneo, una cortante presión de los nervios, la nuca empeñada en sufrir, las sienes que se cristalizan o se petrifican, una cabeza hollada por caballos.
Ahora tendría que hablar de la descoporización de la realidad, de esa especie de ruptura aplicada, que parece multiplicarse ella misma entre las cosas y el sentimiento que producen en nuestro espíritu, el sitio que se toman. Esta clasificación instántanea de las cosas en las células del espíritu, existe no tanto como un orden lógico, sino como un orden sentimental, afectivo. Que ya no se hace: las cosas no tienen ya olor, no tienen sexo. Pero su orden lógico a veces se rompe por su falta de aliento afectivo. Las palabras se pudren en el llamado inconsciente del cerebro, todas las palabras por no importa qué operación mental, y sobre todo aquellas que tocan los resortes más habituales, los más activos del espíritu.
de El ombligo de los limbos
J'ai besoin, à côté de moi, d'une femme simple et équilibrée, et dont l'âme inquiète et trouble ne fournirait pas sans cesse un aliment à mon désespoir. Ces derniers temps, je ne te voyais plus sans un sentiment de peur et de malaise. Je sais très bien que c'est ton amour qui te fabrique tes inquiétudes sur mon compte, mais c'est ton âme malade et anormale comme la mienne qui exaspère ces inquiétudes et te ruine le sang. Je ne veux plus vivre auprès de toi dans la crainte. J'ajouterai à cela que j'ai besoin d'une femme qui soit uniquement à moi et que je puisse trouver chez moi à toute heure. Je suis désespéré de solitude.
Je ne peux plus rentrer le soir, dans une chambre, seul, et sans aucune des facilités de la vie à portée de ma main. Il me faut un intérieur, et il me le faut tout de suite, et une femme qui s'occupe sans cesse de moi qui suis incapable de m'occuper de rien, qui s'occupe de moi pour les plus petites choses. Une artiste comme toi a sa vie, et ne peut pas faire cela. Tout ce que je te dis est d'un égoïsme féroce, mais c'est ainsi. Il ne m'est même pas nécessaire que cette femme soit très jolie, je ne veux pas non plus qu'elle soit d'une intelligence excessive, ni surtout qu'elle réfléchisse trop. Il me suffit qu'elle soit attachée à moi.
Je pense que tu sauras apprécier la grande franchise avec laquelle je te parle et que tu me donneras la preuve d'intelligence suivante : c'est de bien pénétrer que tout ce que je te dis n'a rien à voir avec la puissante tendresse, l'indéracinable sentiment d'amour que j'ai et que j'aurai inaliénablement pour toi, mais ce sentiment n'a rien à voir lui-même avec le courant ordinaire de la vie. Et elle est à vivre, la vie. Il y a trop de choses qui m'unissent à toi pour que je te demande de rompre, je te demande seulement de changer nos rapports, de nous faire chacun une vie différente, mais qui ne nous désunira pas.
Ce qui est grave
est que nous savons
qu’après l’ordre
de ce monde
il y en a un autre.
Quel est-il?
Nous ne le savons pas.
Le nombre et l’ordre des suppositions possibles
dans ce domaine
est justement
l’infini!
Et qu’est-ce que l’infini?
Au juste nous ne le savons pas!
C’est un mot
dont nous nous servons
pour indiquer
l’ouverture
de notre conscience
vers la possibilité
démesurée,
inlassable et démesurée.
Et qu’est-ce au juste que la conscience?
Au juste nous ne le savons pas.
C’est le néant.
Un néant
dont nous nous servons
pour indiquer
quand nous ne savons pas quelque chose
de quel côté
nous ne le savons
et nous disons
alors
conscience,
du côté de la conscience,
mais il y a cent mille autres côtés.
Et alors?
Il semble que la conscience
soit en nous
liée
au désir sexuel
et à la faim;
mais elle pourrait
très bien
ne pas leur être
liée.
On dit,
on peut dire,
il y en a qui disent
que la conscience
est un appétit,
l’appétit de vivre;
et immédiatement
à côté de l’appétit de vivre,
c’est l’appétit de la nourriture
qui vient immédiatement à l’esprit;
comme s’il n’y avait pas des gens qui mangent
sans aucune espèce d’appétit;
et qui ont faim.
Car cela aussi
existe
d’avoir faim
sans appétit;
et alors?
Alors
l’espace de la possibilité
me fut un jour donné
comme un grand pet
que je ferai;
mais ni l’espace,
ni la possibilité,
je ne savais au juste ce que c’était,
et je n’éprouvais pas le besoin d’y penser,
c’étaient des mots
inventés pour définir des choses
qui existaient
ou n’existaient pas
en face de
l’urgence pressante
d’un besoin:
celui de supprimer l’idée,
l’idée et son mythe,
et de faire régner à la place
la manifestation tonnante
de cette explosive nécessité:
dilater le corps de ma nuit interne,
du néant interne
de mon moi
qui est nuit,
néant,
irréflexion,
mais qui est une explosive affirmation
qu’il y a
quelque chose
à quoi faire place:
mon corps.
Et vraiment
le réduire à ce gaz puant,
mon corps?
Dire que j’ai un corps
parce que j’ai un gaz puant
qui se forme
au dedans de moi?
Je ne sais pas
Mais
je sais que
l’espace,
le temps,
la dimension,
le devenir,
le futur,
l’avenir,
l’être,
le non-être,
le moi,
le pas moi,
ne sont rien pour moi;
mais il y a une chose
qui est quelque chose,
une seule chose
qui soit quelque chose,
et que je sens
à ce que ça veut
SORTIR:
la présence
de ma douleur
de corps,
la présence
menaçante,
jamais lassante
de mon
corps;
si fort qu’on me presse de questions
et que je nie toutes les questions,
il y a un point
où je me vois contraint
de dire non,
NON
alors
à la négation;
et ce point
c’est quand on me presse,
quand on me pressure
et qu’on me trait
jusqu’au départ
en moi
de la nourriture,
de ma nourriture
et de son lait,
et qu’est-ce qui reste?
Que je suis suffoqué;
et je ne sais pas si c’est une action
mais en me pressant ainsi de questions
jusqu’à l’absence
et au néant
de la question
on m’a pressé
jusqu’à la suffocation
en moi
de l’idée de corps
et d’être un corps,
et c’est alors que j’ai senti l’obscène
et que j’ai pété
de déraison
et d’excès
et de la révolte
de ma suffocation.
C’est qu’on me pressait
jusqu’à mon corps
et jusqu’au corps
et c’est alors
que j’ai tout fait éclater
parce qu’à mon corps
on ne touche jamais.
Esta árvore e o seu frémito
sombria floresta de apelos,
de gritos,
devora
o obscuro coração da noite.
Vinagre e leite, o céu, o mar,
a massa espessa do firmamento,
tudo conspira no estremecimento
que habita o denso coração da sombra.
Um coração aberto, um astro duro
que em dois se divide e no céu se difunde,
o límpido céu fendido
no instante do sol nascente
- fazem todos o mesmo ruído
que a noite e a árvore no centro do vento.
tradução: Herberto Helder
de Doze nós numa corda, Assírio & Alvim, 1997
Estas ravinas de osso e de pele
por onde começam as trevas
do absoluto, e a pintura desta boca
que fechas como uma cortina
E o ouro que te desliza em sonho
a vida que te despoja de ossos,
e as flores deste olhar falso
por onde reencontras a luz
Múmia, e estas mãos de fusos
para remexer nas tuas entranhas,
estas mãos onde a sombra espantosa
toma o aspecto de um pássaro
Tudo isso de que a morte se orna
como de um rito aleatório,
esta conversa de sombras, e o ouro
onde bóiam as negras entranhas
Por aí é que eu te alcanço,
ardida senda das veias, e o ouro
é como a minha dor
o testemunho certo e pior
tradução: Herberto Helder
de Doze nós numa corda, Assírio & Alvim, 1997
Não, o suicídio ainda é uma hipótese. Quero ter o direito de duvidar do suicídio assim como de todo o restante da realidade. É preciso, por enquanto e até segunda ordem, duvidar atrozmente, não propriamente da existência, que está ao alcance de qualquer um, mas da agitação interior e da profunda sensibilidade das coisas, dos atos, da realidade. Não acredito em coisa alguma à qual eu não esteja ligado pela sensibilidade de um cordão pensante, como que meteórico e ainda assim sinto falta de mais meteoros em ação. A existência construída e sensível de qualquer homem me aflige e decididamente abomino toda realidade.
O suicídio nada mais é que a conquista fabulosa e remota dos homens bem-pensantes, mas o estado propriamente dito do suicídio me é incompreensível. O suicídio de um neurastênico não tem qualquer valor de representação, mas sim o estado de espírito de um homem que tiver determinado seu suicídio, suas circunstâncias materiais e o momento do seu desfecho maravilhoso. Desconheço o que sejam as coisas, ignoro todo o estado humano, nada no mundo se volta para mim, dá voltas em mim. Tolero terrivelmente mal a vida. Não existe estado que eu possa atingir. E certamente já morri faz tempo, já me suicidei.
Me suicidaram, quero dizer. Mas que achariam de um suicídio anterior, de um suicídio que nos fizesse dar a volta, porém para o outro lado da existência, não para o lado da morte? Só este teria valor para mim. Não sinto apetite da morte, sinto apetite de não ser, de jamais ter caído neste torvelinho de imbecilidades, de abdicações, de renúncias e de encontros obtusos que é o eu de Antonin Artaud, bem mais frágil que ele. O eu deste enfermo errante que de vez em quando vem oferecer sua sombra sobre a qual ele já cuspiu faz muito tempo, este eu capenga, apoiado em muletas, que se arrasta; este eu virtual, impossível e que todavia se encontra na realidade. Ninguém como ele sentiu a fraqueza que é a fraqueza principal, essencial da humanidade. A de ser destruída, de não existir.
lido aqui
Los manicomios son receptáculos de magia negra, conscientes y
premeditados. Y los médicos no sóio favorecen ia magia con sus
terapias irascibles y estúpidas sino que la practican. Si no hubiera
habido médicos, no habria habido enfermos ya que la sociedad
empezó con los médicos y no con los enfermos. Los que viven,
viven de los muertos y la muerte también debe vivir... Nada
mejor que un manicomio para incubar lentamente la muerte y
tener a los muertos en incubadoras. Esta técnica de la muerte
lenta empezó cuatro mil anos antes de Cristo. Y la medicina
moderna, cómplice de la magia más siniestra y crapulosa, aplica
el electroshock y la insulinoterapia a estos muertos para vaciar
cada día estos tropeles de hombres de su yo y entregarlos, una vez
vacios, totalmente disponibles y vacíos, a las obscenas demandas
anatómicas y atómicas del estado denominado Bardot. Existe en
el electroshock un estado líquido por el cual pasa cualquier
persona traumatizada. Un estado que ya no le deja conocer lo que
fue cuando era ella misma sino desconocerlo horrorosa y
desesperadamente.
La medicina corrupta miente cada vez que presenta a un
enfermo curado mediante las introspecciones eléctricas de su
método. Yo sólo he visto a personas aterrorizadas por el método
que eran incapaces de volver a encontrar su yo.
Cualquiera que haya pasado por el electroshock del Bardot y
por el Bardot del electroshock, no vuelve a salir jamás de sus
tinieblas y su vida ha bajado un escalón.
Repito, el Bardot es la muerte y la muerte no es más que el
estado de Magia Negra que aún no existia no hace mucho. Crear
de este modo, de manera artificial, la muerte como lo hace la
medicina actual es favorecer un reflujo de la nada que nunca fue
provechoso para nadie y del cual se nutren algunos aprovechados
predestinados del Hombre desde hace tiempo, de hecho, desde
cierto momento en el tiempo. ¿Qué momento? Aquel en el que se
tuvo que elegir entre renunciar a ser hombre o convertirse en un
alienado patente. Pero, ¿qué garantia tienen los alienados
patentes de este mundo de ser atendidos por auténticos seres
vivos?
texto dito por Antonin Artaud
ouvido em Barcelona em 2005