Miguel de Unamuno

Miguel de Unamuno nasceu em Bilbao em 1864. Estudou na Facultad de Filosofia y Letras de Madrid, onde obteve o doutoramento. Em 1897 viveu uma profunda crise pessoal que agudizou as suas preocupações de carácter religioso.

Unamuno foi um homem com uma personalidade original e muito polémica. Assumiu posições contraditórias, tanto no que escreveu como na sua actividade política. Não foi um pensador sistemático: as suas ideias estão repartidas em ensaios, poemas, novelas e peças de teatro. Publicou, entre outros ensaios, Vida de Don Quijote y Sancho (1905) e La Agonia del Cristianismo (1926-1931).

Em Portugal foram publicados A Tia Tula (Estampa), Do Sentimento Trágico da Vida (Relógio d’Água, 1988 e Quarteto Editora, 2001), Por Terras de Portugal e Espanha (Assírio & Alvim, 1989), A Agonia do Cristianismo (Cotovia,1991), Creio no Futuro (Apostolado da Oração, 1993),  São Manuel Bom, Mártir (Difel), Como se faz uma novela (Grifo), Névoa (Vega, 1990 e Difel, 2001), Um Homem (Europa-América, 2003) e Antologia Poética (Assírio & Alvim, 2003)

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Poemas

Do mar Atlântico na margem pura
se senta uma matrona desgrenhada
ao pé da serrania coroada
de triste pinheiral. Nos joelhos dura
os cotovelos pousa, e o rosto na mão,
e crava ansiosos olhos de leoa
no sol poente, e o mar em frente entoa
de maravilhas a fatal canção.
Diz-lhe de longes terras e de azares,
enquanto ela os pés banha nas espumas,
sonhando absorta o trágico império
que se abismou nos tenebrosos mares,
e fita que entre as agoureiras brumas
se alça D. Sebastião, rei do mistério.

 

Tradução: Jorge de Sena

Ouve meu rogo, Deus que não existes,
em teu nada recolhe as minhas queixas.
Tu, que aos homens mais pobres nunca deixas
sem consolo de enganos. Não resistes
a nosso rogo, e ao nosso anseio assistes.
Quando da minha mente mais te afastas,
eu mais recordo essas palavras castas
com que embalou minha ama as noites tristes.
Que grande és tu, meu Deus! Tu és tão grande
que não passas de Ideia; e é tão estreita
a realidade mesmo que se expande
para abarcar-te. Sofro à tua espreita,
inexistente Deus. Pois se viveras
existiria eu também deveras.

 

Tradução: Jorge de Sena

Vendrá de noche cuando todo duerma,
vendrá de noche cuando el alma enferma
se emboce en vida,
vendrá de noche con su paso quedo,
vendrá de noche y posará su dedo
sobre la herida.

Vendrá de noche y su fugaz vislumbre
volverá lumbre la fatal quejumbre;
vendrá de noche
con su rosario, soltará las perlas
negro sol que da ceguera verlas,
¡todo un derroche!

Vendrá de noche, noche nuestra madre,
cuando a lo lejos el recuerdo ladre
perdido agujero;
vendrá de noche; apagará su paso
mortal ladrido y dejará al ocaso
largo agujero...

¿Vendrá una noche recogida y vasta?
¿Vendrá una noche maternal y casta
de luna llena?
Vendrá viniendo con venir eterno;
vendrá una noche del postrer invierno...
noche serena...

Vendrá como se fue, como se ha ido
-suena a lo lejos el fatal ladrido-,
vendrá a la cita;
será de noche mas que sea aurora,
vendrá a su hora, cuando el aire llora,
llora y medita...

Vendrá de noche, en una noche clara,
noche de luna que al dolor ampara,
noche desnuda,
vendrá... venir es porvenir... pasado
que pasa y queda y que se queda al lado
y nunca muda....

Vendrá de noche, cuando el tiempo aguarda,
cuando la tarde en las tinieblas tarda
y espera al día,
vendrá de noche, en una noche pura,
cuando del sol la sangre se depura,
del mediodía.

Noche ha de hacerse en cuanto venga y llegue,
y el corazón rendido se le entregue,
noche serena,
de noche ha de venir... ¿él, ella o ello?
De noche ha de sellar su negro sello,
noche sin pena.

Vendrá la noche, la que da la vida,
y en que la noche al fin el alma olvida,
traerá la cura;
vendrá la noche que lo cubre todo
y espeja al cielo en el luciente lodo
que lo depura.

Vendrá de noche, sí, vendrá de noche,
su negro sello servirá de broche
que cierra el alma;
vendrá de noche sin hacer ruido,
se apagará a lo lejos el ladrido,
vendrá la calma...
vendrá la noche....

Virá de noite quando tudo dorme,
virá de noite quando a alma informe
se embuça em vida,
virá de noite com seu passo quedo,
virá de noite e pousará seu dedo
sobre a ferida.

Virá de noite e seu fugace lume
volverá luz todo o fatal queixume;
virá na treva,
com seu rosário, soltará as contas
do negro sol, que dão cegueiras prontas,
e tudo as leva!

Virá de noite que é mãe, caridade,
quando no longe ladre a saudade
perdido agouro;
virá de noite; apagará seu prazo
mortal latido e deixará o ocaso
vazio de ouro...

Virá uma noite recolhida e vasta?
Virá uma noite maternal e casta
de lua plena?
E virá vindo num devir eterno;
virá uma noite, derradeiro inverno...
noite serena...

Virá como se foi, como se há ido
- ressoa ao longe o fatal latido -,
não faltará;
será de noite mais que quando aurora,
virá na hora, quando é o ar quem chora,
e chorará...

Virá de noite, numa noite clara,
noite de lua que ao sofrer ampara,
noite desnuda,
virá, virá... vir é porvir... passado
que passa e queda e que se queda ao lado
e nunca muda...

Virá de noite, quando o tempo aguarda,
quando uma tarde pelas trevas tarda
e espera o dia,
virá de noite, numa noite pura,
quando do sol o sangue se depura,
do meio-dia.

Noite há-de ser enquanto venha e chegue,
e o coração rendido se lhe entregue,
noite serena,
de noite há-de vir... quem há-de vê-lo?
De noite há-de selar seu negro selo,
noite sem pena.

Virá de noite, aquela que dá a vida,
e em que na noite ao fim a a alma olvida,
trará a cura;
virá na noite que nos cobre a todos
e espelha o céu nos reluzentes lodos
em que o depura.

Virá de noite, sim, virá no escuro,
seu negro selo servirá de muro
que encerra a alma;
virá de noite sem fazer ruído,
apagar-se-á nos longes o latido,
virá a calma...
virá a noite...

traduçao :Yan Ayrton

Mira amigo, cuando libres

al mundo tu pensamiento,
cuida que sea ante todo
denso, denso.

Y cuando sueltes la espita
que cierra tu sentimiento,
que en tus cantos éste mane
denso, denso.

Y el vaso en que nos escancies
de tu sentir los anhelos
de tu pensar los cuidados,
denso, denso.

Mira que es largo el camino
y corto, muy corto el tiempo,
parar en cada posada
no podemos.

Dinos en pocas palabras
y sin dejar el sendero,
lo más que decir se pueda,
denso, denso.

Con la hebra recia del ritmo
hebrosos queden tus versos,
sin grasa, con carne prieta,
densos, densos.