Leopoldo María Panero

Leopoldo Maria Panero nasceu em Madrid, em 1948. O pai, Leopoldo Panero, é o poeta "oficial" do franquismo, enquanto o irmão, Juan Luis Panero, é um dos nomes mais significativos da geração de 50 da poesia espanhola. A sua vocação para a poesia e a tendência para pensamentos atormentados, evidenciaram-se desde quando era criança.

Na juventude  interessou-se pela política e as suas ideias encontraram afinidades com o comunismo. Aos 16 anos aderiu ao Partido Comunista, na altura clandestino e chegou a estar preso durante um curto período, onde teve a oportunidade de contactar, pela primeira vez, com a droga.

A partir daí a sua vida foi ficando cada vez mais labiríntica. Tornou-se alcoólico e começou a sofrer crises depressivas frequentes. Tentou suicidar-se em duas ocasiões. Aos 21 anos, diagnosticaram-lhe esquizofrenia e Panero internou-se voluntariamente no manicómio de Tafira (Las Palmas, nas Grandes Canárias), lugar onde tem vivido até aos dias de hoje.

Durante toda a sua vida, a paixão pela literatura e pela escrita foram uma constante, a elas se dedica exclusivamente desde que foi internado. As “vozes” que ouve, não são as mesmas que ouvem os outros alienados com quem vive há mais de 15 anos. Aos ouvidos de Panero, sussurram as vozes de Lewis Carroll, Edgar Allan Poe, James M. Barrie, H. P. Lovecraft...

“Por el camiño Swan” foi o seu primeiro livro, publicado em 1968. para além de poeta, traduziu e escreveu ensaios e prosas. Da sua obra destacam-se: «Así se fundó Carnaby Street» (1970), «En Teoría» (1973), «Narciso en el acorde último de las flautas» (1979), «Dioscuros» (1982), «Poemas del manicomio de Mondragón» (1987) y «Heroína y otros poemas» (1992).

Leopoldo Maria Panero, tornou-se no único poeta maldito conhecido da moderna literatura espanhola. Enquanto os outros ganham prémios, ocupam cargos importantes e discutem nas tertúlias dos ilustres meios de comunicação, Panero foi escrevendo em cárceres, manicómios e sórdidas pensões. Morreu no dia 5 de março de 2014, em Las palmas

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Poemas

No obscuro jardim do manicómio
os loucos amaldiçoam os homens
as ratazanas afloram ao Esgoto Superior
procurando o beijo dos Dementes

*

Um louco tocado pela maldição do céu
canta humilhado a uma esquina
as suas canções falam de anjos e coisas
que custam a vida ao olho humano
a vida apodrece a seus pés como uma rosa
e já perto do túmulo, passa junto a ele
uma Princesa.

*

Os anjos cavalgam o dorso de uma tartaruga
e o destino dos homens é atirar pedras à rosa
Amanhã morrerá outro louco:
do sangue dos seu olhos ninguém senão o túmulo
saberá amanhã nada.

*

Vem irmão, estamos os dois no chão
focinho contra focinho, remexendo o lixo
cujo calor alimenta o fim das nossas vidas
que não sabem como terminar, atadas
as duas a essa sentença que ao nascer se nos impôs
pior que o esquecimento e a morte
e que rasga a última porta fechada
com um som que faz correr as crianças
e gritar no limite aos sapos.

*

a Marava

Brindemos com champanhe sobre o nada
salto de um saltimbanco no aço escrito
onde a flor se despe e habita entre os homens
que dela se riem e afastam o olhar
sem saber oh ilusão que é também ao nada
que eles a devolvem e que a cada jodada
se estende a Morte ante o jogador, nua,
e anões jogam com cabeças humanas.

Os Imortais

cada consciência procura a morte da outra
Hegel
 
Na luta entre consciências algo caiu ao chão
e o fragor de cristais alegrou a assembleia
Desde então habito entre os Imortais
onde um rei come defronte ao Anjo caído
e semelhantes a flores a morte nos desfolha
e lança no jardim onde crescemos
temendo que nos chegue a recordação dos homens.

À minha mãe
(reivindicação de uma formosura)

Escuta nas noites como se rasga a seda
e ao chão cai sem ruido a chávena de chá
como uma magia
tu que só palavras doces tens para os mortos
e um ramo de flores levas na mão
para esperar a Morte
que cai do seu corcel, ferida
por um cavaleiro que a agarra com os seus lábios brilhantes
e pelas noites chora pensando que o amavas,
e diz sai ao jardim e contempla como caem as estrelas
e falemos em sussurro para que ninguém nos escute
vem, escuta-me falemos dos nossos objectos
tenho uma rosa tatuada na face e um bastão com
punho em forma de pato
e dizem que chove por nós e que a neve é nossa
e agora que o poema morre
digo-te como uma criança, vem
construí um diadema
(sai ao jardim e verás como a noite nos envolve)
 
Hino a satã
 
Tu que és apenas
uma ferida na parede
um arranhão na fronte
que induz suavemente
à morte.
Tu ajudas os fracos
melhor que os cristãos
tu vens das estrelas
e odeias esta terra
onde moribundos descalços
dão a mão dia após dia
procurando entre a merda
a razão da sua vida:
já que nasci do excremento
amo-te
e amo pousar sobre as tuas
mãos delicadas as minhas fezes
O teu símbolo era o cervo
e o meu a lua
que a chuva caia sobre
as nossas faces
unindo-nos num abraço
silencioso e cruel em que
como o suicídio. sonho
sem anjos nem mulheres
despojado de tudo
salvo do teu nome
dos teus beijos no meu ânus
e das tuas carícias na minha cabeça calva
espargiremos com vinho, urina e
sangue as igrejas
dádiva dos magos
e debaixo do crucifixo
uivaremos.

tradução: Jorge Melícias

de Poemas do manicómio de Mondragón, Alma Azul, 1987

O acto amoroso é o mais parecido
a um assassinato.
Na cama, num gozo terrível, trata-se de apagar
a alma daquele que está,
homem ou mulher,
debaixo.
É devido a isso que não nos olhámos.
Ejacular é sujar o corpo,
e penetrar é humilhar com
a verga a
erecção de outro eu.
Apagar ou ser apagados, tanto faz, mas
num instante, ir-se
deixá-lo
uma vez mais
entre os seus lábios

 

"Poesía" 1970 - 1985

versão: manuel a. domingos

Os homens do viet são tão belos quando morrem.
A água do rio, lambendo as suas pernas, fazia mais sexual
a sua ruína.
Depois vieram as Grandes Chuvas procurando
a vagina esfomeada da selva e apagaram tudo.
Ficou apenas nos lábios a sede da batalha, para nada,
como baba
que cai da boca sem cérebro.
Hoje
que num leito sem árvores nem folhas
com a tua língua desfolhas a árvore do meu sexo
e cai toda a noite o sémen como chuva
e cai toda a noite o sémen como chuva, diz-me
beijando suavemente o túnel do meu ânus,
cova de anaconda que ainda me marca
os ritmos da vida, diz-me o que era, o que é,
o que é um cadáver.

 

tradução: Joaquim Manuel Magalhães

poema encontrado aqui

Morreu
cumulado de beijos dos seus filhos
absolvido pelos olhos mais docemente azuis
e de coração mais tranquilo que em volvidos dias,
o poeta Leopoldo Panero,
que nasceu na cidade de Astorga
e apurou sua vida sob o silêncio de um carvalho.
Que amou muito,
bebeu muito e agora,
cerrados os seus olhos,
espera a ressurreição da carne
aqui, sob esta pedra.

 

tradução: Avelino de Sousa

in DiVersos N.° 4

Era más romántico quizá cuando
arañaba la piedra
y decía por ejemplo, cantando
desde la sombra a las sombras,
asombrado de mi propio silencio,
por ejemplo: "hay
que arar el invierno
y hay surcos, y hombres en la nieve"
Hoy las arañas me hacen cálidas señas desde
las esquinas de mi cuarto, y la luz titubea,
y empiezo a dudar que sea cierta
la inmensa tragedia
de la literatura.

lido aqui

Era mais romântico talvez quando
riscava a pedra
e dizia por exemplo, cantando
da sombra para as sombras,
assombrado com o meu próprio silêncio,
por exemplo: "há
que lavrar o inverno
e há sulcos, e homens na neve "
Hoje as aranhas fazem-me cálidos acenos
pelos cantos do quarto, e a luz vacila,
e eu começo a duvidar que seja verdadeira
a imensa tragédia
da literatura.

 

versão: at

Fifteen men on the Dead Man's Chest.
Yahoo! And a bottle of rum!

Fumo mucho. Demasiado.
Fumo para frotar el tiempo y a veces oigo la radio,
y oigo pasar la vida como quien pone la radio.
Fumo mucho. En el cenicero hay
ideas y poemas y voces
de amigos que no tengo. Y tengo
la boca llena de sangre,
y sangre que sale de las grietas de mi cráneo
y toda mi alma sabe a sangre,
sangre fresca no sé si de cerdo o de hombre que soy,
en toda mi alma acuchillada por mujeres y niños
que se mueven ingenuos, torpes, en
esta vida que ya sé.
Me palpo el pecho de pronto, nervioso,
y no siento un corazón. No hay,
no existe en nadie esa cosa que llaman corazón
sino quizá en el alcohol, en esa
sangre que yo bebo y que es la sangre de Cristo,
la única sangre en este mundo que no existe
que es como el mal programado, o
como fábrica de vida o un sastre
que ha olvidado quién es y sigue viviendo, o
quizá el reloj y las horas pasan.
Me palpo, nervioso, los ojos y los pies y el dedo gordo
de la mano lo meto en el ojo, y estoy sucio
y mi vida oliendo.
Y sueño que he vivido y que me llamo de algún modo
y que este cuento es cierto, este
absurdo que delatan mis ojos,
este delirio en Veracruz, y que este
país es cierto este lugar parecido al Infierno,
que llaman España, he oído
a los muertos que el Infierno
es mejor que esto y se parece más.
Me digo que soy Pessoa, como Pessoa era Álvaro de Campos,
me digo que estar borracho es no estarlo
toda la vida, es
estar borracho de vida y no de muerte,
es una sangre distinta de esa otra
espesa que se cuela por los tejados y por las paredes
y los agujeros de la vida.
Y es que no hay otra comunión
ni otro espasmo que este del vino
y ningún otro sexo ni mujer
que el vaso de alcohol besándome los labios
que este vaso de alcohol que llevo en el
cerebro, en los pies, en la sangre.
que este vaso de vino oscuro o blanco,
de ginebra o de ron o lo que sea
- ginebra y cerveza, por ejemplo -
que es como la infancia, y no es
huida, ni evasión, ni sueño
sino la única vida real y todo lo posible
y agarro de nuevo la copa como el cuello de la vida y cuento
a algún ser que es probable que esté
ahí la vida de los dioses
y unos días soy Caín, y otros
un jugador de poker que bebe whisky perfectamente y otros
un cazador de dotes que por otra parte he sido
pero lo mío es como en "Dulce pájaro de juventud"
un cazador de dotes hermoso y alcohólico, y otros días,
un asesino tímido y psicótico, y otros
alguien que ha muerto quién sabe hace cuánto,
en qué ciudad, entre marineros ebrios. Algunos me
recuerdan, dicen
con la copa en la mano, hablando mucho,
hablando para poder existir de que
no hay nada mejor que decirse
a sí mismo una proposición de Wittgenstein mientras sube
la marea del vino en la sangre y el alma.
O bien alguien perdido en las galerías del espejo
buscando a su Novia. Y otras veces
soy Abel que tiene un plan perfecto
para rescatar la vida y restaurar a los hombres
y también a veces lloro por no ser un esclavo
negro en el sur, llorando
entre las plantaciones!
Es tan bella la ruina, tan profunda
sé todos sus colores y es
como una sinfonía la música del acabamiento,
como música que tocan en el más allá,
y ya no tengo sangre en las venas, sino alcohol,
tengo sangre en los ojos de borracho
y el alma invadida de sangre como de una vomitona,
y vomito el alma por las mañanas,
después de pasar toda la noche jurando
frente a una muñeca de goma que existe Dios.
Escribir en España no es llorar, es beber,
es beber la rabia del que no se resigna
a morir en las esquinas, es beber y mal
decir, blasfemar contra España
contra este país sin dioses pero con
estatuas de dioses, es
beber en la iglesia con música de órgano
es caerse borracho en los recitales y manchas de vino
tinto y sangre "Le livre des masques" de Rémy de Gourmont
caerse húmedo babeante y tonto y
derrumbarse como un árbol ante los farolillos
de esta verbena cultural. Escribir en Espanã es tener
hasta el borde en la sangre este alcohol de locura que ya
no justifica nada ni nadie, ninguna sombra
de las que allí había al principio.
Y decir al morir, cuando tenga
ya en la boca y cabeza la baba del suicidio
gritarle a las sombras, a las tantas que hay y fantasmas
en este paraíso para espectros
y también a los ciervos que he visto en el bosque,
y a los pájaros y a los lobos en la calle y
acechando en las esquinas
"Fifteen men on the Dead Man's Chest
Fifteen men on the Dead Man's Chest
Yahoo! And a bottle of rum!"

 

"De Last River Together", 1980

poema encontrado aqui

Quando o sentido, esse ancião que te falava
nas horas de abandono, morre
olhas então
a mulher amada como para um velho
e choras.
E queda
órfão o poema, sem pai nem mãe,
e odeia-lo,
tens horror ao filho pendurado
como um aborto entre as pernas, balouçando-se ali
como fio dependurado ou teia-de-aranha,
quando o sentido morre,
como uma criança
castrada por um cego,
no amparo da noite feroz, da noite:
como da voz de uma criança perdida uivando
no vento
o dia em que se acaba a canção, deixando
apenas um pouco de tabaco na mão
e a cidade agora, as
cidades convertidas em vastas plantações de tabaco,
e a mão
assombrada toca a boca sem lábios
o dia em que se acaba a canção, e se perde
o homem que a si mesmo se dava o nome de alguém,
ao dar a volta a uma esquina, um entardecer sem música.
O dia em que se acaba a canção mesmo a dor
é apenas um pouco de tabaco na mão
e as palavras
são todas de antanho,e de outro país, e caem
da boca sem dentes como um líquido
semelhante à bílis,
o dia
em que morre o sentido, esse
assassino que falava ao crepúsculo e pela
insónia sussurrava palavras e coisas,
o dia
em que se acaba a canção olhas
a mulher amada como para um velho, e com a cabeça entre as pernas,
frente ao mundo abortado, choras.

 

"Last River Toge Ther"

Suave como o perigo atravessaste um dia
com a tua mão impossível a frágil meia noite
e a tua mão valia a minha vida e muitas vidas
e os teus lábios quase mudos diziam o que era o pensamento.
Passei uma noite colado a ti como a uma árvore de vida
porque eras suave como o perigo,
como o perigo de viver de novo.

Suave como el peligro atravesaste un día
con tu mano imposible la frágil medianoche
y tu mano valía mi vida, y muchas vidas
y tus labios casi mudos decían lo que era el pensamiento.
Pasé una noche a ti pegado como a un árbol de vida
porque eras suave como el peligro,
como el peligro de vivir de nuevo.
lido aqui

Suave como o perigo, atravessaste um dia
com tua mão impossível, a frágil meia-noite
e tua mão valia minha vida, e muitas vidas
e teus lábios quase mudos diziam o que era o pensamento.
Passei uma noite agarrado a ti como a uma árvore de vida
porque eras suave como o perigo,
como o perigo de viver de novo.

 tradução: Pedro Spigolon

El silencio no es el fin:
es el comienzo.
Todo empieza allá donde  nadie habla
y un leopardo cae de mi boca
y una serpiente detiene su caída:
el silencio no es el fin:
es el amanecer del color, y de las bestias

 

de Guarida de un animal que no existe, VISOR LIBROS, 1998

O silêncio não é o fim:
é o princípio.
Tudo começa aí onde ninguém fala
e um leopardo cai da minha boca
e uma serpente detém a sua queda:
o silêncio não é o fim:
é o amanhecer da cor, e dos animais.

 

versão:at

Mi memoria arde en la sombra
y quema: quema como la yesca
el martillo de mi memoria
que me dice que no soy, ni he sido,
que soy como alguien escupido
en los lábios de presente.

 

de Guarida de un animal que no existe, VISOR LIBROS, 1998

A minha memória arde na sombra
e queima: queima como a faísca
o martelo da minha memória
que me diz que não sou, nem fui,
que sou como alguém cuspido
nos lábios do presente.

 

tradução: at

Dois atletas saltam de um lado para o outro da minha alma
aos gritos, a troçar da vida:
e não sei os seus nomes. E na minha alma vazia escuto
continuamente os trapézios a balançar. Dois
atletas saltam de um lado para o outro da minha alma
contentes por ela estar tão vazia.
E ouço
ouço no espaço sem sons
uma vez e outra vez os trapézios que rangem
uma vez e outra vez.
Uma mulher sem rosto canta de pé sobre a minha alma,
uma mulher sem rosto sobre a minha alma no chão,
a minha alma, a minha alma: e repito essa palavra
não sei se como uma criança chamando a sua mãe à luz,
em confusos sons e com prantos, ou muito simplesmente
para fazer ver que não tem sentido.
A minha alma. A minha alma
é como terra dura que calcam sem a ver
cavalos e carroças e pés, e seres
que não existem e de cujos olhos
brota o meu sangue hoje, ontem, amanhã. Seres
sem cabeça cantarão sobre o meu túmulo
uma canção incompreensível. E
dividirão entre si os ossos da minha alma.
A minha alma. O meu
irmão morto fuma um cigarro junto de mim.


tradução
: Joaquim Manuel Magalhães
 
de Poesia Espanhola de Agora (volume I), Relógio d’Água, 1997