Antonio Gamoneda

Antonio Gamoneda, nasceu em Oviedo em 1931. Em 1934, pouco tempo depois da morte do pai, mudou-se com a mãe para León onde sobreviveu à guerra e ao pós-guerra. Aprendeu a ler em casa, num livro de poemas escrito pelo pai, porque as escolas estavam fechadas. Poeta, crítico de arte e ensaísta, trabalha actualmente como assessor cultural da Diputación de Léon e dirige a Fundación Sierra Pampley. Gamoneda é Doutor Honoris Causa pela Universidade de Léon e recebeu, entre outros, o Premio Cervantes, em 2006.

Como poeta, cronologicamente, pertence à geração 50, no entanto a sua obra não se integra em nenhum grupo ou escola. A sua voz, marcada pela consciência da morte, surge isolada num diálogo pessoal com o tempo.

Parte da sua poesía encontra-se reunida nos seguintes volumes: Sublevación inmóvil 1960, Descripción de la mentira 1977  y 1986, León de las miradas 1979 y 1990, Blues castellano 1982, Lápidas 1986, Edad 1988, Libro del frío 1992, Libro de los venenos 1995, ¿Tú? 1998, Sólo luz 2000 y Cecilia 2004.

Em Portugal foram editados, pelo menos, 3 livros: Livro do frio, 1999 (tradução de José Bento), Assírio & Alvim; Ardem as perdas, 2004 (tradução de Jorge Melícias), Quasi  e Descrição da mentira, 2007 (tradução de Vasco Gato), Quasi .

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Poemas

SOBRE EXCREMENTOS DE REBAÑOS, subo y me acuesto bajo los robles musicales.
Cruzan palomas entre mi cuerpo y el crepúsculo, cesa el viento y las sombras son húmedas.
Hierba de soledad, palomas negras: he llegado, por fim; éste no es mi lugar, pero he llegado.

POR EXCREMENTOS DE REBANHOS, subo e deito-me sob os carvalhos musicais.
Passam pombas entre o meu corpo e o crepúsculo, cessa o vento, as sombras são húmidas.
Erva de solidão, pombas negras: cheguei, enfim; este não é o meu lugar, mas cheguei.


tradução
: alberto augusto miranda

ARDEN LAS PÉRDIDAS. Ya ardían
en la cabeza de mi madre. Antes
ardió la verdad y ardió
también mi pensamiento. Ahora
mi passión es la indiferencia.
Escucho
en la madera dientes invisibles

ARDEM AS PERDAS. Já ardiam
na cabeça de minha mãe. Antes
tinha ardido a verdade e ardeu
também o meu pensamento. Agora
a minha paixão é a indiferença.
Oiço
na madeira dentes invisíveis.


tradução: alberto augusto miranda

 

Sinto o crepúsculo nas minhas mãos. Chega através do loureiro doente.

Não quero pensar, nem ser amado, nem ser feliz, nem recordar.

Só quero sentir esta luz nas minhas mãos

e desconhecer todos os rostos e que as canções deixem de pesar no meu coração

e que os pássaros passem diante dos meus olhos e eu não note que se foram.


tradução: Jorge Melícias

em Ardem as Perdas; Quasi Edições

Vêm com lâmpadas, conduzem
serpentes cegas às
areias alvacentas.

Há um incêndio de sinos. Ouve-se
gemer o aço
na cidade rodeada de pranto.

***

Atrás da obscuridade estão os rostos que me abandonaram.
Eu vi a sua pele trabalhada por relâmpagos. Agora
já só vejo, no instante amarelo,
o esplendor das suas longínquas pálpebras.


tradução: Jorge Melícias

em Ardem as perdas; Quasi, 2005

Diante das vinhas abrasadas pelo Inverno, penso no medo e
na luz (uma única substância dentro de meus olhos).

penso na chuva e nas distâncias atravessadas pela ira.

***

Ouvi o sino da neve, vi o fungo da pureza, criei o esquecimento.

***

Tenho frio junto aos mananciais. Subi até cansar
o coração.

Há erva negra nas ladeiras e açucenas roxas entre
sombras, mas, - que faço diante do abismo?

Sob as águias* silenciosas, a imensidão carece de sig-
nificado.

***

Pássaros. Atravessam chuvas e países no erros dos
ímanes e dos ventos, pássaros que voavam entre a ira
e a luz.

Voltam incompreensíveis sob leis de vertigem e de significado.


tradução: José Bento

em "Livro do frio"; Assírio & Alvim,

Estendo meu corpo sobre as madeiras gretadas pelas
lágrimas, cheiro a linhaça e a sombra

Ah, a morfina em meu coração: durmo com os olhos
abertos diante de um território branco abandonado
pelas palavras


lido aqui

Alguém entrou na memória branca, na imobilidade
do coração.

Vejo uma luz debaixo da névoa e a doçura do erro
faz-me fechar os olhos.

É a ebriedade da melancolia; como aproximar
o rosto de uma rosa doente, indecisa entre o perfume e
a morte


lido aqui

Oír el corazón
en un silencio nuevo,
advertir el destino
donde estaba el deseo.

Oh verdadero amor,
qué sensación de tiempo
poseído, pensar
en el mundo y en ti
en sólo un pensamiento.

 

em Edad - Poesía 1947-1986; Catedra, 2000

Mi hija tuvo miedo de mí, y yo que era
El que la amenazaba y ofendia,
Senti al miedo existir.

Debo decirles que yo era injusto:
Mi pequeña, mi amor, el ser humano
Que se sube a mis brazos y ríe sobre mi corazón,
No había hecho ninguna cosa mal.

No he sido a causa de mi amor
Por lo que senti el miedo de mi hija,
Sino porque aquel miedo estaba en mí
Como la luz o el movimiento de la tierra.


em Síbalas Negras, Ediciones Universidad Salamanca; 2006 

La luz hierve debajo de mis párpados.

De un ruiseñor absorto en la ceniza, de sus negras entrañas
musicales, surge una tempestad. Desciende el llanto a las
antiguas celdas, advierto látigos vivientes

y la mirada inmóvil de las bestias, su aguja fría en mi corazón.

Todo es presagio. La luz es médula de sombra: van a morir
los insectos en las bujías del amanecer. Así

arden en mí los significados.

***

A luz ferve-me debaixo das pálpebras.

De um rouxinol absorto na cinza, das suas negras entranhas
musicais, surge uma tempestade. Desce o canto às
antigas celas, advirto látegos com vida

e o olhar imóvel das bestas, a sua agulha fria em meu coração.

Tudo é presságio. A luz é medula de sombra: vão morrer
os insectos nos castiçais do amanhecer. Assim

ardem em mim os significados.

 

tradução: Rui Almeida

de Arden las Pérdidas, Tusquets editores - Nuevos textos sagrados; 2003