Maria Esther Maciel

Maria Esther Maciel nasceu em Patos de Minas, em 1963. Começou a escrever no final dos anos 70, publicando os seus textos em jornais e revistas. Em 1978, fundou e editou o jornal Correio Estudantil, de circulação trimestral, que durou dois anos.

Em 1981 iniciou o curso de Letras da UFMG, em Belo Horizonte. Manteve a sua actividade literária com publicações em revistas literárias. Em 1984 lançou o seu primeiro livro de poemas Dos haveres do corpo. Em 1990 completou o mestrado em Literatura Brasileira, com uma dissertação sobre Augusto dos Anjos e passou a dedicar-se sobretudo ao estudo da poesia moderna e contemporânea. Em 1990 iniciou o doutoramento com a tese  As vertigens da lucidez: poesia e crítica em Octavio Paz, que completou em 1995.

Em 1998, publicou o seu segundo livro de poesia, TRIZ. Entre 1998 e 1999, escreveu vários ensaios e dedicou-se ao estudo da obra de Jorge Luis Borges e de outros autores latino-americanos. De 1999 a 2000 viveu em Londres e na Dinamarca onde fez pesquisa sobre o cineasta Peter Greenaway. em 2020 publicou uma colectanea Poesia incompleta 1998-2019.

Deu aulas na UFMG de Literatura Portuguesa Contemporânea. Actualmente é Professora de Teoria Literária e Literatura Comparada na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Em 2004 publicou dois ensaios - O cinema enciclopédico de Peter Greenaway e A memória das coisas, e uma obra de ficção - O Livro de Zenóbia.
Em 2021 publicou literatura e animalidade e a Pequena enciclopédia de seres comuns.

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Poemas

Lídia, quando menina, gostava de se sentar à beira do Tejo  para ver os peixes esquivos. Dia após dia, neles via sempre a mesma vida,  o  mesmo  desassossego,  como  se,  para  eles, repetir  o movimento fosse uma espécie de estilo. Isso a surpreendia. Porque os peixes não era dado o fastio? – perguntava-se em sigilo.

Lídia, que ainda sente por eles um certo fascínio, hoje, longe do Tejo,   responderia   a   isso  dizendo  que  as  coisas,   por  mais repetíveis,  contêm,  todas  elas,  um  rio  –   subterrâneo  ou  de superfície. 

Ou seria um ritmo?  Mas  seja  o  que for, é isso que garante  ao mesmo  uma dose de  imprevisto. Ou  de viço.  Aliás, toda a história de Lídia se resume de certa forma neste mínimo: por  mais  que ela busque  a  ordem  dos  peixes,  algo  a  desvia.

 

 

CONCEITO 

Teu corpo:

um porto
que eterniza
meus navios

um parto
que traduz
o meu avesso

a parte
que arremata
meu desejo.

CLANDESTINIDADE

Permanece em mim 
como um segredo
e que ninguém escute 
teu silêncio na minha boca
nem a linguagem de teus olhos
que em mim se inscreve
como poema

Torna-te clandestino 
em meu país sem nome
e desenha em mim
o teu enigma
teu reverso
e teu verso sem tradução

Te exila em minha teia
me define com tua senha
perenizando em meu corpo
o teu mistério –
entre cortinas,
no refúgio exato dos lençóis.

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AULA DE DESENHO

Estou lá onde me invento e me faço:
De giz é meu traço. De aço, o papel.
Esboço uma face a régua e compasso:
É falsa. Desfaço o que fiz. 
Retraço o retrato. Evoco o abstrato
Faço da sombra  minha raiz.
Farta de mim, afasto-me
e constato: na arte ou na vida, 
em carne, osso, lápis ou giz
onde estou não é sempre
e o que sou é por um triz.

NOTURNO
(a T. S. Eliot )

O dia é noite no poema:
Sombras, pedras, luas secas
encobrem a estação das flores.
Sobre o deserto 
memory and desire
ainda restam:
ecos entre as cinzas 
deste verso.

Will it bloom this year?

Na terra triste do poema
enterro o fim e o infinito:
me faço silêncio, eclipse.

PAISAGEM COM FRUTAS

Duas peras sobre a mesa
esperam a tua fome.
O dia é verde
e o vento tem cores provisórias.

Sobre o muro
um pássaro mudo
de olhar escuro
perscruta a tua sombra

Ele sabe
que ninguém sabe
em que azul 
ocultas 
teu absurdo.

MANUSEIO

Tépidas
essas mãos
que divagam
devagar
por meus relevos
óbvios
e demoram
fundo
no obscuro
ponto
onde o corpo
se abisma
e silencia,
absurdo.

ECLIPSE

A lua desliza 
sob as sombras 
do sol que não há:

luz de escuros
véu para o olhar
que não vê senão 
a cor lilás da noite 
que reluz num verso 
de Éluard.

PRECE

Dê-me o esquecimento, meu pai.
Dê-me uma noite sem sombra 
ou sobressalto, um sono inteiro
um instante sem rumor.
Dê-me teu silêncio, meu pai.
A solidez das pedras, o rigor das coisas 
a solidão sem dor.

DESTERRO

Desabitado o corpo
resta a sombra
do anjo sem nome

O reino do longe
é aqui: na terra
insone, onde a pedra
consome a falsa raiz.

OFÍCIO

Escrever
a água
da palavra mar
o vôo
da palavra ave
o rio
da palavra margem
o olho
da palavra imagem
o oco
da palavra nada.
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1

Plantas de raízes drásticas eram cultivadas por Zenóbia em 1976. Eram doze as espécies que cresciam no jardim estranho que criara em sua nova casa. Delas cuidava como se fossem uma dádiva, uma beleza ideal ou seu nada.

2

Tanta dor teve Zenóbia quando seu primeiro cão morreu que escreveu cem vezes seis vezes o nome dele no chão do quarto. Eram quatro para as onze quando completou o quadro. Foi dormir quase sem culpa ou cansaço. Sonhou com um pássaro sem asa.

3

Em 1987, Zenóbia conheceu na rua uma mulher que vendia palavras. Eram todas inventadas. Encantou-se com “ilágrime”. Comprou-a, sem alarde. Porém, mais tarde, soube que essa era uma palavra roubada.

4

Alicia Mirabilis foi o nome que Zenóbia usou quando publicou o seu livro sobre os milagres de Santa Clara. Já ao escrever sobre Tereza d´Ávila, escolheu o nome Notylia. Descobriu-o quando pesquisava orquídeas numa ilha que inventou no dia de sua maior alegria.

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