José Paulo Paes

José Paulo Paes nasceu em Taquaritinga, no interior de São Paulo, em 22 de julho de 1926. Sempre foi um apaixonado por livros. Estudou Química e trabalhou num laboratório farmacêutico durante muitos anos. Em 1944 mudou-se para Curitiba, onde desenvolveu seu gosto literário e se associou com nomes bem conhecidos do círculo de letras de então, em especial Oswald de Andrade e Dalton Trevisan, em cuja revista Joaquim colaborou.

Na capital paranaense, participou ativamente da vida cultural da época, em especial das reuniões literárias que se costumavam fazer em dois points curitibanos: o Café Belas Artes e a Livraria Ghignone. Um dia resolveu escrever poesias, primeiro para os adultos e depois para as crianças. Esqueceu a Química e descobriu a magia da poesia infantil, aprendeu a brincar com as palavras e escreveu muitas poesias maravilhosas para as crianças.

Depois de abandonar a Química, trabalhou durante 25 anos na edição de livros, traduções e ensaios. Trabalhou na editora Cultrix cerca de 14 anos. Traduziu inúmeras obras de outros autores – como Lawrence Sterne, Lewis Carroll, Nikos Kazantzakis, Paul Éluard, Dino Buzzati, Hölderlin, Huysmans, Edgar Allan Poe, Rainer Maria Rilke, Gertrude Stein, Leopardi, Edmund Wilson, entre outros. José Paulo Paes morreu em 1998, aos 72 anos.

Pela Global Editora tem publicadas as seguintes obras: Em Tempo Escuro a Palavra (a)clara, Histórias do Brasil na Poesia de José Paulo Paes e Melhores Poemas José Paulo Paes com seleção e prefácio de Davi Arrigucci Júnior. Colaborou com a editora selecionando e prefaciando Melhores Poemas Augusto dos Anjos.

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Poemas

para quem pediu sempre
/tão pouco
o nada é positivamente
/um exagero.

poema publicado na f. de são paulo - 18/10/98

meu deus
minha pátria
minha família

minha casa
meu clube
meu carro 

minha mulher
minha escova de dentes

minha vida
meu câncer
meus vermes

ano novo: vida
nova
dívidas novas
dúvidas novas
ab ovo outra
vez: do revés
ou talvez (ou
ao tanto faz como fez)

hora zero: soma
do velho?
idade do novo?
o nada: um ovo
salve(-se) o ano ano novo!

a poesia está morta
mas juro que não fui eu

eu até que tentei fazer o melhor que podia para salvá-la

imitei diligentemente augusto dos anjos paulo torres car-
los  drummond  de  andrade  manuel  bandeira murilo
mendes vladmir maiakóvski  joão cabral de melo neto
paul éluard oswald de andrade  guillaume appolinaire
sosígenes costa bertolt brecht augusto de campos

não adiantou nada

em desespero de causa   cheguei a   imitar  um  certo (ou
incerto) josé paulo paes poeta de ribeirãozinho estrada
de ferro araraquarense

porém ribeirãozinho mudou  de nome a estrada  de   ferro
araraquarense  foi  extinta   e  josé  paulo  paes  parece
nunca ter existido

nem eu

Poesia 
é brincar com palavras
como se brinca
com bola, papagaio, pião.
Só que
bola, papagaio,pião
de tanto brincar
se gastam.

As palavras não:
quanto mais se brinca
com elas
mais novas ficam.

Como a água do rio
que é água sempre nova.

Como cada dia
que é sempre um novo dia.

Vamos brincar de poesia?

Acidente

Atirei um pau no gato,
mas o gato
não morreu,
porque o pau pegou no rato
que eu tentei salvar do gato
e o rato
(que chato!)
foi quem porreu.

Elegia holandesa

águamolepedradura
águaáolepedradura
águaáglepedradura
águaáguepedradura
águaáguapedradura
águaáguaáedradura
águaáguaágdradura
águaáguaáguradura
águaáguaáguaadura
águaáguaáguaádura
águaáguaáguaágura
águaáguaáguaágura
águaáguaáguaáguaa
águaáguaáguaáguaá

Lisboa: aventuras

tomei um expresso
cheguei de foguete
subi num bonde
desci de um elétrico
pedi cafezinho
serviram-me uma bica
quis comprar meias
só vendiam peúgas
fui dar à descarga
disparei um autoclisma
gritei "ó cara!"
responderam-me "ó pá!"

positivamente
as aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá

Anatomia do monólogo

ser ou não ser?
er ou não er?
r ou não r?
ou não?
onã?

DRUMMONDIANA

Quando as amantes e o amigo
te transformarem num trapo,
faça um poema,
faça um poema, Joaquim!

MURILIANA

Corto a cidade, as máquinas e o sonho
Do jornaleiro preso no crepúsculo.
Guardo as amadas no bolso do casaco,
Almoço bem pertinho do arco-íris,
Planto violetas na face do operário.
Conversando com anjos e demônios,
É o meu anúncio que dirige as nuvens.

MADRIGAL

Meu amor é simples, Dora,
Como a água e o pão.

Como o céu refletido
Nas pupilas de um cão.

L’Affaire Sardinha

O bispo ensinou ao bugre
Que pão não é pão, mas Deus
Presente em eucaristia.

E como um dia faltasse
Pão ao bugre, ele comeu
O bispo, eucaristicamente.

EPITÁFIO PARA UM BANQUEIRO

negócio
ego
ócio
cio
o

POÉTICA

conciso?          com siso
prolixo?           pro lixo

TERMO DE RESPONSABILIDADE

mais nada
a dizer: só o vício
de roer os ossos
do ofício

já nenhum estandarte
à mão
enfim a tripa feita
coração

silêncio
por dentro sol de graça
o resto literatura
às traças!

POETA AO ESPELHO BARBEANDO-SE

o rito
do dia
o rictus
do dia
o risco
do dia

EU?
UE?

olho
por olho
dente
por dente
ruga
por ruga

EU?
UE?

o fio
da barba
o fio da navalha
a vida
por um fio      

EU?
UE?

mas a barba
feita
a máscara
refeita
mais um dia
aceita

EU
EU

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