Yves Namur

Yves Namur, nasceu em Nanur, na Bégica, em 1952. È médico, poeta e editor. Faz parte da Académie Royale de Langue et  de Littérature Françaises. Escreveu mais de vinte livros entre os quais se destacam: Le voyage en amont de ( ) vide (1990), Fragments de l'inachevée (1992), Le Livre des sept portes (1994), Une parole dans les failles (1997), Figures du très obscur (2000) e Le livre des apparences (2001), L’apetite cuisine bleu (2002) e Les ennuagements du coeur (2004). La Tristesse du figuier (2012) Ce que j’ai peut-être fait, Paris (2013), Les feuilles le savent bien, (2015).Les lèvres et la soif (2016), Les temps volés ( 2019).

Recebeu vários prémios. A sua obra foi traduzida para mais de uma dezena de línguas. Em Portugal a editora cavalo de ferro, publicou, em Março de 2005, Figuras do muito obscuro, traduzido por Fernando Eduardo Carita e prefaciado por Nuno Júdice (edição bi-lingue).

 

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Poemas

Evita pois
Olhar no seio do visível

E
Antes vê as coisas que não vês
E tudo isso que não ouves.

Pois é aí,
Ao centro de “Nenhures”,
Que sempre o coração vai ter

E
O passo do inesperado.

Porquê obstinarmo-nos a chamar ainda
Aquele que o não pode ser

E
Nunca há-de poder regressar?

Se não fosse para aumentar o vazio
E a nossa necessidade de ser na imensidão?

 

Tradução: Fernando Eduardo Carita

de Figuras do muito obscuro, cavalo de ferro, 2005

 


 

Cada passo que dou
Aproxima-me da fonte

E do limiar da Esquecida.

Aí,
Onde murmura esse pouco mais que nada
Que nunca há-de vir,

Que nunca há-de partir.

***

Existe um lugar de sombras e ervas
A que comummente apelidamos de “ínfima parte”
Ou de “muito ínfima parte”.

Mas desse já esquecido espaço
Que sabemos nós hoje?

Nada
Ou realmente muito pouco,

Senão que aí
Deverá permanecer ainda a arca do real.

***

Será o poema essa coisa ínfima
Que rodeia o corpo e a ausência?

Essa parte ínfima

Que arde
E sempre está a arder
Na rosa insuspeitada?

***

Ele diz ao seu duplo:

“O olhar será essa parte excedente
ou esse imenso pouco mais que nada

que nos impede a visão

e abrasa a nossa alma
sem nós na verdade o sabermos”.

***

Quem todavia atraía a si
Essa sombra do ínfimo?

Seria
O círculo das pedras?

Ou simplesmente outras sombras

Vindas do centro de estátuas jacentes
E que se ajustavam ainda
Ao incerto?

***

Por pouco,

Ocorria-me pensar
Que o “ínfimo” não tivesse existido aqui.

E que nunca teria existido em parte alguma,

Nem no ar,
Nem nos pensamentos da água,

Nem sequer nas figuras
Da pedra de sonhos.


Tradução: Fernando Eduardo Carita

de Figuras do muito obscuro, cavalo de ferro, 2005

Uma voz
Ergueu-se da cavidades do Inverno,

doce e leve
Como a palavra sem peso
Que vinha da tua boca.

Uma voz terá assim regressado
Para perturbar o canto

E
A única pergunta
Que ainda se não ousava fazer
Às aves da alma.


Tradução: Fernando Eduardo Carita

de Figuras do muito obscuro, cavalo de ferro, 2005

Foi salva do desastre
A voz,

E isso tudo
Que ainda está por nomear
Na palavra.

E também
Alguns fragmentos dessa luz
Que adornava um ferida antiga
E muito pura.

***

Quantas serão elas,
Essas vozes entorpecidas nos nomes
Da rosa?

E quantas serão elas sob a pedra

Ou
No olhar puro e impaciente
Do animal?

Quantas serão elas desta forma
A aguardar ainda a tua vinda
E o improvável?

***

Quando o tempo chega
Em que cada coisa aqui se conclui

E abre as asas à lâmpada invisível
E aos pássaros,

Há então vozes
Que se erguem sobre a queimadura

E caminham velozmente para a dúvida
E para a impronunciável pergunta.

***

Era no mais profundo da voz,

Entre
O que nasce de quase nada
e a vastidão do espaço,

Era aí que poisava,
Puro e obstinadamente,

O olhar do muito incerto.

***

Deixa que venha a voz da sombra
E o eco,

a voz
E estas marcas leves
Para que aponta ainda o dedo
Do abismo.

deixa que venham em ti,

Como devem vir pouco depois
Os pássaros e as pedras voadoras,

A ferida
e essa demorada sede de impossível.


Tradução: Fernando Eduardo Carita

de Figuras do muito obscuro, cavalo de ferro, 2005

Tudo o que vier depois,

Seja neve
Ou silêncio do habitável,

Caiam pedras negras
sobre a passagem,
Promessas ou o esplendor do anjo,

Tudo isso acontecerá sempre depois
E em parte nenhuma.

***

Aquele que entreabre a boca
Por um instante que seja,

esse estará talvez esquecido de
Que o seu corpo é todo ele feito de aves,
Àrvores voadoras e constelações de fogo.

E que desta maneira e pouco a pouco
se esvaziará disso,

De tudo isso.

***

Bastava-nos falar ao poema
Com uns “talvez”, uns “porquê”
Ou uns “como”.

Talvez isso bastasse
Para atravessar as grandes aparências
E caminhar do outro lado,

Aí,
Onde obscuro e claridade
São apenas uma

E mesma marca
Do desejo.

(para ti)


Tradução: Fernando Eduardo Carita

de Figuras do muito obscuro, cavalo de ferro, 2005

Onde me aventuro

Entre uma clara floresta
E a respiração dos peixes,

Entre o sinal
E a sombra do grande prado,

Onde me aventuro
Cruzam-se, ignorando-o eu por enquanto,

as pedras
e as lágrimas da rosa errante,

E também as transparências infinitas
Que jamais hão-de ser inteiramente visíveis.

***

A marca
Que continuas a perseguir no deserto,

Esse elemento do quase nada,
Da evidência e da muito Pura,

Essa mesma marca canta,

Mais alto que a luz
Mais alto ainda que a ausência
De luz.


Tradução: Fernando Eduardo Carita

de Figuras do muito obscuro, cavalo de ferro, 2005

Aquela que nada
Ou um tão pouco mais que nada atingirá
No centro,

Ter-se-á aproximado um pouco que seja
da língua da abelha
E da infinitude,

Ou
Desse lado ainda inominado
Da nossa inquietação?

***

Aquela

Que inteiramente branca o Príncipe abandonou
À alma errante
E à solidão da ramagem

Aquela
Cujo nome ele conduziu às nuvens
E ao real,

Aquela
que ele amou sobre uma ardósia azul
E sabores do mel,

Essa está ao corrente do segredo do véu
E não pertence por enquanto a ninguém.


Tradução: Fernando Eduardo Carita

de Figuras do muito obscuro, cavalo de ferro, 2005