Rainer Maria Rilke
Como Hofmannsthal, Rilke é um produto da cultura do Império Austríaco, e um dos grandes poetas da língua alemã.(...)Nasceu em Praga, capital da Boémia, um dos reinos que compunham o estado dos Hasburgos, em 1875. Fez estudos médios em dois sucessivos colégios militares (experiência que marcou a sua sensibilidade para o resto da vida), e frequentou depois as universidades de Praga, Munique e Berlim.
Viajou pela Itália e, em 1899-1900, acompanhando Lou Andreas-Salomé (a amiga de Nietzsche e de Mahler) em duas viagens à Rússia. Buch der Bilder (Livro das Imagens, 1902) anunciava já um poeta, que, através do romantismo e do simbolismo, buscava uma voz própria.
A colectânea seguinte, Das Studenbuch (Livro de Horas, 1905), eram poéticas meditações religiosas, embebidas do vocabulário do misticismo e do ritual católico, que o simbolismo francês pusera em moda, mas é também magnificente de imaginação metafórica, e consagrou o poeta na atmosfera inquieta do mundo germânico dos princípios do século.
Mas a experiência de Paris modificou Rilke, e os Neue Godichte (Novos Poemas, 1907 e 1908) são uma renovação, como o título pretende sugerir: poemas dedicados à ‘descrição’ de seres e objectos, com que Rilke ultrapassa a herança simbolista e entra na modernidade (à maneira do que sucedeu com Yeats).
Em 1910, os famosos e belíssimos Cadernos de Malte Laurids Brigge (um dos vários casos, no tempo, da ‘heteronímia’), sob a ficção de um alter-ego, é uma profunda análise de criação poética e da agonia existencial. As Elegias de Duíno, dez longos poemas largamente conhecidos e traduzidos em várias línguas e em português também, só foram completadas em 1922. Em 1919, estabeleceu-se na Suíça, aonde, sem regressar à Áustria ou à Alemanha, e com visitas a Paris e a Veneza, ficou até morrer de leucemia em fins de 1926. (...) As Elegias, seguidas dos Sonetos a Orfeu, haviam sido publicadas em 1923 (...)
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consoladora das horas em que todos se foram,
em que tudo foge do coração amargo,
a sua simples presença atesta que no ar
pairam todas as carícias.
quando perdemos o gosto de viver, ou renunciamos
à vida, ao que foi e ao que pode ainda ser,
alguma vez atentamos, como devíamos, na amiga
persistente que, a nosso lado, faz trabalhos de fada?
tradução: Maria Gabriela Llansol
frutos e apontamentos, relógio d'água, 1996
Vasa-me os olhos e eu poderei ver-te
Destrói-me os ouvidos e eu poderei ouvir-te
Mesmo sem pés poderei chegar a ti
Mesmo sem boca poderei conjurar-te
Corta-me os braços adorar-te-ei
Com os braços com as mãos
No coração latejará o meu cérebro
E se incendiares o meu cérebro
Guardar-te-ei ainda no meu sangue
tradução: Jorge Sousa Braga
lido aqui
Amo as horas sombrias do meu ser
em que os meus sentidos se aprofundam;
nelas encontrei, como em velhas cartas,
o meu dia a dia já vivido,
ultrapassado e vasto como numa lenda.
Elas me ensinam que possuo espaço
p'ra uma intemporal Segunda vida.
E por vezes sou como a árvore
que, madura e rumorosa, sobre uma campa
cumpre o sonho que a criança de outrora
(abraçada por suas cálidas raízes)
perdeu em tristezas e canções.
tradução: Ana Hatherly
lido aqui
Um fantasma, apesar de invisível,
acusa o toque do teu olhar,
o que não acontece com o teu pêlo
negro e felpudo, que absorve tudo.
Como um louco que, num acesso
de mania, destrói tudo em redor,
e de súbito cai numa espécie de torpor,
no chão acolchoado da cela,
Ele parece dissimular dentro de si,
todos os olhares que nele pousaram,
para agastado e ameaçador
se enroscar e com eles adormecer.
Mas, de súbito, desperta de novo,
volta-se para ti e olha-te nos olhos:
descobres-te, então, a ti próprio, suspenso
no âmbar amarelo dos seu olhos ovais
como se fosses um insecto e nada mais.
tradução: Jorge Sousa Braga
em Animal Animal – Um Bestiário Poético, Assírio & Alvim
A pantera
No jardin des plantes paris
O seu olhar, do repassar das barras,
cansou-se tanto que já nada retém.
É como se houvesse um milhar de barras
e para lá das barras nenhum mundo.
O brando andar de passo forte e dúctil
que se move no mais estreito círculo
é dança de força à volta de um centro
em que está aturdido um grande querer.
De onde a onde abre a cortina das pupilas
silenciosa -, então entra uma imagem,
passa pela calma tensa dos membros -
e cessa de existir no coração.
tradução: Paulo Quintela
em Poemas / As Elegias de Duíno / Sonetos a Orfeu, Asa, 2001
poema enviado por João M.