Ulla Hahn
Ulla Hahn nasceu em 1946 na Alemanha. Estudou Literatura, História e Sociologia. Doutorou-se em Literatura Germânica. Foi professora nas Universidades de Hamburg, Bremen e Oldenberg.
Foi professora nas Universidades de Hamburg, Bremen e Oldenburg. De 1978 a 1991, dirigiu a secção de literatura da Radio Bremen. Actualmente vive em Hamburgo. Publicou o seu primeiro livro de poesia, Herz über Kopf (Heart over Head), em 1981.
Recebeu vários prémios literários. Tem dois livros editados em Portugal: Um Homem em Casa (romance) Editorial Teorema, 1996 e A Sede Entre os Limites (poesia), Relógio D’Água, 1999.
Ver mais: rui-alme/ literaturfestival / Arlindo.Correia
© Christian P. Schmieder
Pré- Escrita
Esta Saudade
de te chamar pelo nome
Este receio
de te chamar pelo nome
Esta saudade
de manter a palavra
Este receio
de apenas manter a palavra
Esta saudade de uma vida
que não dê em poema
Este receio de um poema
que antecipe a vida.
Processo Poético
Quando pensei em
substituir tu por ele
denunciei-te ao papel
Quando disse tu
porque ele soava pior
tornei-te invisível
Quando escrevi aquele
nem tu nem ele se aperceberam
do que realmente estava a acontecer.
Homeopatia
Cobriste-me de nudez o
corpo nu quando tive frio
envolveste-me em
frieza quando fiquei cansada
serviste-te do meu sono
Saciaste a minha fome
com fome mataste com
sede a minha sede.
Quando o telefone toca
e ninguém diz nada
és tu do outro lado.
Longe e acabado
Não tenho medo de sofás vazios
ficam na sala da minha lembrança
como adereços de uma vida acabada
Desde que te esqueci revive a esperança
Agora tenho outro à porta em certos dias
Deixo-o entrar levo-o para a minha cama
e passo-lhe a mão pelos cabelos
como tu me fazias
Gosto de ti como de um quadro de um poema
que o tempo torna nossos pessoais
Fazes parte de mim e tudo o mais
já está esquecido. Longe e acabado como tu.
Conhecimento
Conheço os erros: há muito os cometi
só eu serei culpada ou inocente
Foi minha a poça se nela o pé meti
enfiei a mim própria o meu barrete
Faça o que faça agravam-se-me os erros
de erros quase só se faz a minha vida
A essa vida estou presa pelos cabelos
não me livro desta pele comida
por cicatrizes agarrada a mim
rugosa e com os anos a acabar-me
Sou eu a única que tem medo de mim
sei que de mim ninguém vai libertar-me.
Ao pé
Gostava de estar sempre ao pé de ti
mas nunca estou mais perto do que quero
do que longe de ti quando a ti te desejo.
De dia embrulho-te num vestido escuro
para olhos estranhos me verem.
Quero ser sombra se tu estiveres ausente
tal como tu és sombra ao pé de mim.
Desde que te amo estou só completamente.
Um jeito
Em silêncio
te vestiste
em silêncio uma vez mais
ternamente mentiste
Em silêncio
fechaste o portão
em silêncio a-
jeitaste o coração.
Júbilo
E depois dias há em que o júbilo
é indescritível no meu peito
batem cem corações felizes.
Todos os cuidados pelo esgoto abaixo
e tu arrastado com eles.
O mundo está de novo aí.
Nada mais a esperar
nada mais a temer
de ti.
Céu azul
Suavemente o prado embala-me na sua relva
Estou só deitada
Penso em ti
e devia estar entristada
espelho-me no azul alto do céu
nos teus olhos não
De vez em quando procuro ainda
nas nuvens a tua expressão
que o vento me desfaz: esquiços incertos
que posso ir esbatendo
Penso em ti e paro uma vez mais
o esquecimento.
As minhas palavras
despi-as
até elas me ficarem
respirando nuas
debaixo da língua.
Volto-as
cuspo-as
sugo-as
sopro-as
estico-as
dos pés à cabeça
estendo-as
Faço-as grandes
como uma nave lunar
e pequenas como uma criança.
Procuro em toda a parte a linha
que me diga
onde me posso encontrar.
De corpo inteiro
Da fossa dos teus anos te tirei do lameiro
e mergulhei-te nas águas do meu Verão
lambi-te mãos cabelo corpo inteiro
jurei ser minha e tua até mais não.
Tu deste-me a volta. Gravaste a fogo brando
a tua marca na minha pele fina.
Renunciei a mim. E eis senão quando
me começo a afastar da minha sina
e de mim própria.
A princípio ainda a recordação
um belo resto chamando por mim.
Mas nessa altura estava já dentro de ti
de mim escondida. Bem me escondeste então.
Perdi-me toda em ti, de mim nem cheiro:
e então cuspiste-me de corpo inteiro
Buracos negros
O que nos une é não nos entendermos
tu aí eu aqui – nossa via é diferente:
O teu já-foi o meu ainda-há-de ser
são dois buracos negros no presente
que é nosso como o sonho antes do dia
quando sabemos já que estamos a sonhar
e que connosco brinca um pouco ao vento
até aqui e ali cada um se encontrar
Regras do Jogo
Vamos ensaiar a farsa outra vez
os papéis estão sabidos felizmente
que não há mais para dizer
a peça é a mesma de sempre
Os mesmos passos de sempre
até aqui e mais não
os mesmos olhares de sempre
num rosto de outra expressão
As mesmas queixas de sempre
que uma outra boca mente
sempre o mesmo afundamento
num fundo sempre diferente
As mesmas flores de sempre
no primeiro acto para mim
no fim como sempre lágrimas
frescas: desta vez por ti.
Despertar
Um lindo melro abre-me os olhos
de manhã. Canta no verde dos ciprestes
a canção do amor de outrora
Um lindo melro apaga-me os sonhos
pela manhã. Eu sentada no meio
da luz estou mesmo acordada.
Tradução: João Barrento
de A Sede Entre os Limites (ed. bi-lingue), Relógio D’Água, 1999.
Para aquele
Que bebe uma das minhas lágrimas
Para aquele outro
Que se afunda na minha mente nebulosa
Para aquele
Que suporta as minhas maluqueiras
Para alguém
Que afasta a minha infelicidade
Para aquele
Que me beija sobre o meu sangue
Para aquele
Que eu tenho de pisar para prosseguir o meu caminho
lido aqui