8 poemas
nem sempre as palavras chegam
encosto o ouvido às páginas do livro que nunca escreveste e sei que és um búzio ao anoitecer
mando-te mil recados pelas lâminas do vento da tua boca brota uma fonte digo amo-te e às vezes a memória é onde os pássaros não voam
nem sempre as palavras chegam para levar as estrelas aos teus olhos
nem eu sei dizer o teu nome
há fotografias como punhais
há fotografias como punhais e poemas também
todos os poemas que escreverei já foram escritos dou-me apenas ao ofício das trevas de os escrever em pedaços de argila
neles estão impressos a chuva e o vento e as folhas noviças dos séculos e o meu pai e a minha mãe que já partiram esvoaçando num passado remoto
e também a rapariga feia e bela e desfigurada pela varíola que nunca fora amada porque não era bela e que numa noite na taberna de Vladivostoque se ofereceu derradeiramente a Joseph Kessel
talvez pouca gente saiba deste verso que nunca foi escrito deste modo e que foi acontecido durante a guerra sino-japonesa
quase ninguém esteve lá mas eu estive trouxe-o comigo é exactamente por isso que os meus poemas escritos em verso já foram todos escritos são como chagas alastrando e crescendo em cristais do fogo
e o recinto do seu destino
está entre a terra e as estrelas
sei apesar de tudo porque li Juan Gelman que cada lágrima é um problema insolúvel
le bateau terroriste
nunca entrou um barco pela manhã no teu quarto? os meus dedos cravaram-se na branca página do ar e tu porventura não sabes que deles sobrou uma âncora
talvez a encontres sob a forma de lâmina ou de faca junto à raíz do coração do mar
acolhe-te aqui agora digo bem alto deixa-me adivinhar a cor do sol na tua boca nunca nevou tanto lá fora
as palavras doem como o perfume ensanguentado
dos comboios em Londres
o coração gasta-se
foram escritos a sangue os poemas que hoje escrevi com o teu nome todos pintados com as minhas mãos no tear das ruas/ áridas em vozes/à beira do rio passava o álbum fresco das folhas mortas do meu coração/perdidas há tanto tempo/ como os bilhetes que te escrevo sem resposta/
pouco haverá já que me prenda/pouco/
encontrei hoje um cego que parecias tu nos olhos
palavras ardentes
primeiro momento
as palavras podem entrar para me visitar podem ler-me podem até espreitar-me com elas posso até fazer um teorema para a opus day cozinhar até pensar que os pobres são muito ricos com arquivos e tudo e ficheiros
segundo momento
nunca conheci o senhor Cauchy nem pessoalmente nem por correio electrónico posso até dizer que odeio os grandes espaços com muita gente porque ficam muito pequenos
terceiro momento
tenho uma chave escondida na palavra gaveta gosto muito de chaves gosto ainda mais de gavetas decidi-me então fazer uma colecção de selos
quarto momento
não quero mesmo saber nada nem quem é o senhor Cauchy basta-me ter encontrado na praça de londres o senhor Carrilho que foi ministro de óculos escuros com uma palavra escondida no sobretudo
quinto momento
é tudo assim a palavra escondida que disse e que era uma chave na palavra gaveta não é nehuma gaveta nem nenhuma chave nem nenhuma palavra perdida
sexto momento
sou mais sensível ao número pi do que às palavras escondidas em gavetas como por exemplo o oceano pacífico que é também um programa que muitas vezes ouço tudo isto parece muito confuso mas não é bem assim
sétimo momento
hoje expliquei aos meus alunos o teorema de bolzano àcerca de funções contínuas e do quotidiano escrevi toda a função contínua num intervalo fechado tem aí um máximo ou um mínimo e fui feliz
último momento
então isto não é mesmo um país?
estranho fogo
(poema inspirado neste sítio da saudade)
vou escrevendo em cima dos andaimes da luz a tua voz entrou pelas janelas das grandes cidades aí o tempo ofuscou a memória das casas e a cor natural dos campos verdes
já não há sinos nem pássaros nas árvores para anunciar o meio-dia do vento nem o silêncio tranquilo da tarde para adormecer nos espelhos do adro
só as pequenas sílabas das abelhas escondidas nas colmeias vêm em viagem pelo transitório sangue das calçadas no ventre das pedras ouço o meu nome o teu nome
o estranho fogo de que o amor é feito
despeço-me de mim
despeço-me de mim
a página é o caminho de regresso a casa
vê escrevo o meu último poema no bosque branco da neve
com diamantes nos olhos
nele pousou um cisne uma romã viva um lençol negro
no céu as
nuvens
poema sem palavras
não tenho palavras estou tão perto do silêncio aqui não há voz falada nem palavra onde me sente
sou um segredo vivo ao espelho escrito muito antes de o escrever
uma pequena luz semeada ao vento para enviar sinais para o outro mundo
nada mais tão natural é eu ter adormecido
olha as estrelas acenderam-se
e eu respondo talvez
poemas publicados pela autora aqui
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